Blog Clube dos Escritores 50+ LUciano de Castro Répteis

RÉPTEIS NÃO VOAM, certo?
por Luciano de Castro

Rasteja!

Aceita tua condição de réptil

Eu sei dos teus assomos de querer voar

Sei dos deslocamentos velozes quando teus dedos lestos apenas tocam o chão

São até nobres, mas inúteis, pois logo tu te cansas e te deténs e voltas a rastejar

Voltas a raspar tua barriga branca na terra marrom e áspera

Rasteja!

Não te recrimines!

Aceita tua essência reptiliana

Procede também dela a estranha mania que tu tens

De erguer tua pequena e feia cabeça e a balançar pra cima e pra baixo

Essa é a voz ancestral e inconsciente, que te manda pousar os olhos mais ao longe

Abstrai-te. Aquieta-te. Não queiras ver mais do que dois palmos à tua frente

Tu és um ser do chão, acostuma-te ao chão, sê parte do chão

Há todavia um enlevo do qual tu te podes valer nos momentos de angústia

Tu podes cerrar teus olhos lacrimosos e voar apenas em pensamento

Para que abraces o livre pássaro que foste

E vislumbres o libérrimo pássaro que serás.

Goiânia, agosto/2022

.

9 comentários

  1. Estupenda escrita.Instigante tema que balança reflexões do nosso Íntimo.
    Parabéns ao autor pelo apelo poético.

    Rute Ella Dominici

  2. Inacreditável esta voz que exorta o réptil a olhar para sua essência.
    A ele é retirada qualquer veleidade que possa sonhar em ter. É a caída na realidade crua e bruta. Qualquer traço narcísico é destruído, mas em pensamento ele pode voar.
    Pela força da imaginação, pela força do desejo, ele pode se tornar o que jamais foi, libérrimo pássaro.

    A cada vez você se supera, Luciano.
    Bom demais!

  3. Luciano, pouco entendo de poemas mas percebo a vitalidade; nao sou psicóloga e assim nao sei interpretar.
    Portanto ,pouco sei dizer mas posso lhe fazer elogios porque seus textos são bonitos. As palavras novas e a sintonia entre elas causa uma situação para mim conhecida.
    obrigada.

  4. Bem Luciano… é preciso que cada um saiba onde ‘colocar a barriga’ onde se deve. Linda metáfora sobre a vida que arrastamos, com a barriga na terra, e a que desejamos, voando e voando e voando. Bonito.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *