Blog Clube dos Escritores 50+ Silvia Ancona Lopez Bilhete a um amigo

Bilhete a um amigo, de Silvia Ancona Lopez

Caro M.,

Recebi seu último livro  e quero lhe contar que poesia eu não leio. Saboreio.

Saboreio devagar e de uma forma totalmente diferente das minha outras leituras. Os romances leio com sofreguidão, correndo atrás do enredo com tal curiosidade e sede que perco muita coisa boa pelo caminho. Quero logo saber se o mocinho ficou com a mocinha, como foi o primeiro beijo, se foram para a cama, quem é o assassino, se a criança foi abandonada, abusada ou muito amada. Os livros científicos leio com sono e preguiça com raros lampejos de interesse.

Poesia é diferente. Deixo-me envolver pelo ritmo, pela atmosfera onírica e principalmente pelo não-dito — aquele indizível que só a poesia pode dizer.

Na poesia as palavras têm menor importância pois muitas vezes têm um sentido diferente do usual: dizem o que o poeta não queria dizer, enganando-o para poder revelar um lado secreto da sua vida ou um sentimento profundo e interditado que nem ele sabe que tem. São sentimentos que falam da solidão dolorida, do amor perdido, das falhas, dos medos, das culpas, mas, também, dos amores, dos momentos felizes, do pôr do sol e suas lindas cores, da brisa em uma paisagem deslumbrante e do aconchego nos braços do ser amado.

Acredito que ao ler seus versos, muitas vezes o poeta sente seu coração bater mais apressado e seus olhos se enchem de lágrimas pois ali ele intui o que há de mais profundo em si mesmo, algo que foi interditado em sua vida cotidiana, mas que sobrevive sob uma capa de esquecimento.

Você se sente assim ao reler seus poemas? Ou sacode a cabeça e pensa que sou uma velhota romântica cheia de nostalgia, que fantasia sensações que sua vida, um tanto ressequida, não lhe permitiu viver.

Uma poesia bem-sucedida também remete a um mundo particular, dificilmente transmissível. É singular e singularizante, é onde as palavras dizem a cada um aquilo que ele quer – ou talvez não queira – ouvir. Tudo que parece sólido e consistente na vida cotidiana surge sob nova ótica, pois quando se lê poesia pode acontecer que a estranheza e a inquietude, assim como a alegria ou a tristeza, podem se instalar levando à abertura de novos caminhos e possibilidades.

É assim que estou lendo seu livro: me alegrando, me entristecendo, me estranhando e me reconhecendo, vendo-me refletida em suas palavras. Uma poesia é múltipla pois é única para cada leitor.

Seu livro mostrou-me, também, um novo M., mais frágil, menos irascível e agitado, mais doce e carinhoso, capaz de aceitar e compreender as peculiaridades das outras pessoas. Suas poesias enriqueceram a visão que tenho desse amigo tão querido que me presenteou com um livro da sua autoria, que me emocionou e que veio com uma dedicatória tão bela.

Além de tudo suas poesias mostram um domínio das palavras e da língua invejáveis!

Um beijo carinhoso e agradecido

S.

14 comentários

  1. Silvia, que lindo bilhete para o amigo, M. Tal como ele te surpreendeu com seus poemas, também eu fiquei surpresa com seu tecido de palavras tão bem engendrado com ternura e beleza. Já desconfiava a partir da conversa que você teve com o João, não se chamava João?
    Tocante, Silvia. O M ficaria muito feliz.

  2. Olá Sílvia, não vou dizer nada sobre esse seu texto “Bilhete”. Mas quero te informar que vou guardá-lo para de vez em quando saborea-lo novamente.

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