A cidade em movimento
Naquela rua não reconheci mais nada, todo o quarteirão demolido, só restava uma casa, no meio, solta.
Fazia anos que eu não passava por ali, tenho acompanhado as mudanças frenéticas nos bairros da cidade, mas não tinha visto essa rua que por muitos anos me fora tão familiar.
A casa de pé era da tia Myrtes, se bem a conheço deve estar resistindo até o fim ao avanço selvagem da modernidade. Lembro como hoje dela interromper uma conversa e sair como um raio para impedir que a prefeitura derrubasse uma árvore em frente. Eu me responsabilizo, disse, e eu achei um exagero aquela luta contra a modernidade, o crescimento da cidade.
Lembrei da Sônia Braga resistindo à derrubada do Aquarius, o prédio antigo que daria lugar a outro maior e mais luxuoso.
Agora a casa, a luta contra o avanço impiedoso dos projetos modernos que transformam duas, três casas em um mega prédio com mil estúdios. A proposta é adensar, é fazer com que mais pessoas morem nas regiões mais bem servidas de infraestrutura urbana.
A ideia parece boa, convincente, a proposta do novo plano diretor vende o céu até o infinito para gananciosos incorporadores. Dizem que fizeram estudos, esse é o caminho das grandes cidades, crescer pra cima, infinitamente.
A história fica pra trás, ali em pouco tempo nenhuma lembrança da rua de casas, das famílias, das crianças, do senso de comunidade.
Nenhum protesto, ninguém se pôs contra , tia Myrtes resiste, mas não deve ir longe. A árvore foi cortada, a casa será derrubada.
Os antigos proprietários calados por boas indenizações e as ruas agora preenchidas por prédios multifuncionais, todos com a mesma cara.
Onde moravam dezenas, agora vão morar milhares, a ideia é fazer pequenos apartamentos que parecem quartos. Mora-se sozinho, cada vez mais.
Pensando bem a rua nem era tão bonita…
💔
Obrigado pela leitura!!!
A casa da tia Myrtes, única, solta um dente que sobrou em uma boca que perdeu os outros dentes…
Uma casa condenada.
Acho um espanto todo esse movimento na cidade, não tem escolha, o dinheiro vem e compra. Os que resistem duram pouco, a avalanche é maior e sai derrubando tudo.
Uma reflexão que me entristece . São Paulo era uma linda cidade, agora abandonada , perdendo sua marca e sua identidade. É um lindo texto que faz pensar sobre a pobre pauliceia, não mais desvairada, mas sim despersonalizada.