Quando eu for velho, ou mais velho, vou querer almoçar fora, lá pelas 2h30m, todos os dias …
Vou tomar um drink quando chegar no restaurante ou no bar e olhar o cardápio demoradamente. Velho tem que fazer boas escolhas pra honrar o lastro da sabedoria conquistada.
Vou perguntar o nome do garçom, como faço hoje, e estabelecer com ele um laço forte de amizade .Vou dar gordas gorjetas. Dinheiro é pra isso… Assim os choros na bebida também engordam.
Vou ficar lá, até a mudança do turno, até novas caras surgirem.
Vou escrever coisas no guardanapo de papel e enfiar nos bolsos, guardar poeticamente amassados.
Vou comer uma entrada bem gordurosa ou picante ou ambas. Assim o apetite diminui, e peço algo leve pra almoçar, enganando a mim mesmo e a minha pressão, meu colesterol, minha glicemia…
Vou encontrar amigos de quem vou recordar vagamente, mas que aos poucos vão me rememorar de fatos e pessoas.
Vou rir de coisas que não lembro mais… mas vou rir, porque quando ficar mais velho pretendo rir de tudo. Velho que ri, é menos velho, é mais querido sem parecer bobo…
Depois do almoço, já início de tarde, vou me dar direito a um drink, provavelmente um whisky com gelo.
Vou ligar pra minha companhia. Que vai perceber que estou feliz. E virá feliz me encontrar e dividir a bebida. A que ela quiser, vinho, provavelmente…
Vou mostrar pra ela meus desenhos e escritos no guardanapo. E ela vai rir das bobagens que escrevi e do garrancho que não entendemos juntos…
A memória vai me trair, mesmo que poucos instantes antes.
Vou apresentar o novo garçom que assumiu a praça pra ela. Ficarão amigos …
Veremos a tarde surgindo, os jovens chegando irradiando corpos, roupas e estilos que já não nos cabem.
Apreciamos juntos o novo, sem reminiscências, sem passado…
Amigos dos filhos nos cumprimentam como tios, nos reconhecem e reverenciam. Perguntamos dos filhos, da família e observamos como cresceram, sem a atenção de que o tempo passa, voa ou nos arrebata. Isso não nos importa. Importa termos chegado aqui, estarmos ali, com as sensações modificadas, mas intensas na mesma proporção.
Sentir que a bebida, a comida, tem o mesmo prazer, mas o olhar está menos aguçado, menos crítico, mais condescendente.
Todo almoço será feliz, farto e cheio de histórias inventadas ou não.
Chamo o Uber da época. Vou pra casa com ela, namorar .
Mais um drink daqueles que se guarda na garrafa de cristal sem marca, a não ser a da herança de meu pai.
Falamos mais um pouco da vida, a que se vai e a que foi.
Vivemos juntos esse agora breve.
Adormecemos no sofá.
Perna ainda esticada na mesa.
Acordamos sem nada pra fazer.
Já fizemos muito …
Que coisa mais linda, Aun, você deve ser um velho ou virá a ser um velho que quero conhecer. Este mesmo do seu conto. Não quero imitação nem enganação. Prazer em te conhecer, Aun.
Ah, essa velhice em drink demorado, goles de alegria, doce sabor. Parabéns, Luiz!
Ah, essa velhice em drink demorado, sabor de alegria, muito bom! Bem-vindo, Luiz.
Você escreve, divinamente! Seus textos são ” cenas “, em que todos adoraríamos atuar, ” telas “, que todos adoraríamos pintar e, emoções, que adoraríamos sentir! Muito orgulhosa dessa sua ” porção” tão sensível ! Um beijo grande!
Lindo Luiz !!
A velhice parece poética na sua escrita !!!
Beleza de escrita que flui, faz da velhice um usufruir da vida no que ela oferece, a sabedoria de não desejar ser jovem, sonho impossível, e não ser tragado pela amargura do que se perdeu
Belíssimo exercício do envelhecer, Luiz.
Percebi o seu texto como um poema em prosa. Parabéns pela fluência e sensibilidade.
Luciano.
Delícia de conto. Se me permitir vou tentar escrever uma respostas ao seu conto. Como a sua companhia viu, sentiu esse encontro com você. Pode ser?
LUIZ AUN,
SE ME PERMITE, E NAO TEM COMO NAO PERMITIR POIS AQUI SEGUE E… ME DESCULPO DE ANTEMAO, CASO ADENTRO A SUA INTIMIDADE.
TOCANTE O TODO, ESPERANÇOSO E POSSIVEL. MAS O QUE ME CHAMA A ATENÇAO É O COMENTNÁRIO ACIMA, DA SUA :”COMPANHIA” QUE V. MENCIONA NO TEXTO. SERÁ A MESMA QUE LHE ESCREVE AQUI:
“VOCE ESCREVE DIVINAMENTE” E MAIS ADIANTE: …” EMOÇOES QUE ADORARÍAMOS SENTIR!” ??
GOSTO DE TEXTOS ESCRITOS DA VIDA VIVIDA!