Card Clube dos Escritores 50+ Betina Lenci Domingo, pe de cachimbo

Domingo, pé de cachimbo,
Bettina Lenci

Qual é o seu lugar? pergunta, amiúde, uma das novas modas da linguagem psicoterapêutica.

Respondo:

O meu é o domingo, dia de “fumar cachimbo”, – tranquila e sem culpa – na cama, meu lugar preferido entre todas as demais possibilidades de um domingo.

Acordo tarde. Leio. Deito-me de lado, nebulosamente, em busca de mais sono; o calor que emana das cobertas embala meus pensamentos, vagarosamente.

Um filme em câmera lenta cujo controle está na minha mão. Eu o manejo com destreza e segundo minha vontade: para frente “vejo” o possível futuro, para trás revisito o passado – comparo com o presente – congelo imagens, reinício em qualquer trecho que me interessa ser verificado. Nesse processo divagativo chego a uma conclusão ou esclarecimento sobre uma questão atual.

Os temas são recorrentes: passo por análises políticas, tema no qual projeto um jornalista me entrevistando: claro que suas perguntas são aquelas que sei responder com brilho! Com alguma frequência emergem reflexões sobre relações afetivas presentes e passadas; repasso a vida de cada filho em busca de descobrir onde errei; decisões que devo tomar na segunda-feira e qual a agenda a seguir.

Quantas vezes já não se intrometeram nesse processo, sonhos relâmpagos? É quando indago se foi um sonho premonitório ou se devo anotá-lo para análise do terapeuta. As imagens que chegam são rápidas, os cenários de curta duração. O filme é interrompido por um pensamento que nada tem a ver com o enredo anterior, mas que, curiosamente, de alguma maneira, o conjunto faz todo sentido para mim. Aceito-o como sendo a realidade na qual vivo. Ela me pertence, exclusivamente! Este passeio pelas ideias e vagos pensamentos transcorre lúcido e produtivo.

Boa parte do tempo escrevo textos mentais “inteligentíssimos” dos quais só sobra a ideia generalizada, desaparecendo o brilhantismo. Um deles é este que leva o título de “Domingo, pé de cachimbo” – que escrevo hoje, domingo, dia 11 de julho de 2021.

Este rito dominical é um hábito prazeroso porque vai me construindo ou demolindo ou ainda acrescentando novos horizontes, vontades e projetos.

Passei uma manhã no meu lugar!

3 comentários

  1. Excelente fluxo de consciência e estado de se encontrar no seu lugar, aquele que dispara todos os outros! E brinca com a vaidade … Muito bom

  2. Bonita crônica Bettina.
    Hoje em dia o domingo é lento, preguiçoso, gostoso e relaxante, antes carregava a tensão pré segunda-feira.

  3. Gostei de passar o domingo com você, Bettina. Suas divagações me embalaram, me fizeram lembrar, vagamente, das minhas, que se misturaram às suas.

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