Sublinhei satisfeito o seguinte trecho de uma crônica de Machado, escrita em 1894: “Onde é que não há cascas de bananas? Nem no céu, onde não se come outra fruta, com toda certeza, que é fruta celestial. Mate-me Deus com bananas. Gosto delas cruas, com queijo de Minas, assadas com açúcar, açúcar e canela… Dizem que é mui nutritiva.” Descobrir que Machado de Assis e eu compartilhávamos o mesmo gosto frugal me deixou enfunado, e também reacendeu uma antiga constatação: a banana é uma injustiçada. Isso mesmo: além de não gozar do reconhecimento que merece, a pobre está comumente associada a características depreciativas.
Assim como acontece com perfumes e cores, as pessoas costumam ter sua fruta preferida. Há os que são loucos pelo prazer adocicado da manga, outros preferem a adstringência da maçã, a acidez do abacaxi, a exoticidade do kiwi. Os nortistas amam o cupuaçu, os sulistas “chics” apreciam a framboesa. Há frutos pra todos os gostos, cada qual com sua personalidade, seus encantos e seu valor nutritivo. Isso é salutar. Eu, filho da arraia miúda, fico com a simplicidade da banana. O curioso é que, além do sabor e da textura, alguns atributos especiais potencializaram a minha admiração pela fruta.
O primeiro deles é a abundância, a generosidade: a banana nunca se apresenta isolada, mas em fartos cachos e pencas. É uma fruta confiável e honesta, pois está sempre saborosa e não nos decepciona como, amiúde, fazem a laranja e o abacaxi. No quesito praticidade, ela é insuperável: não precisa lavar, dispensa o uso de faca, não tem caroço, não tem bicho como a goiaba. Em caso de extrema necessidade, podemos comê-la até com as mãos sujas. Some-se a tudo isso o ensinamento filosófico do vegetal: a expressão “bananeira que já deu cacho” representa o modo pelo qual a planta nos fala sobre a inexorável finitude da vida.
Outro ponto a destacar é o brasileirismo. Apesar de ser originária da Ásia e ter sido trazida da África para os trópicos, a banana tem uma notória identificação com o Brasil. A começar pelas suas cores: verde quando jovem e amarela quando madura. Que fique bem claro que o verde-e-amarelo não é propriedade do Bolsonarismo e seu patriotismo fake. São as cores de uma nação e de todos os seus filhos: homens, mulheres, tamoios, mulatos, Marielles, Malês, Lecis e Jamelões (salve, Danilo Firmino!). A banana, que já foi emblema do Brasil no turbante de Carmen Miranda e na música de Braguinha, permanece como forte símbolo de brasilidade.
No entanto, a despeito de tantas qualidades, a fruta é tratada com certo desdém e carrega uma percepção de inferioridade, ou pejorativa, que se estende ao próprio termo. Quando se diz “preço de banana” significa preço irrisório, de baixo valor venal. Nos dicionários, banana — ou pacova, na língua tupi — é primariamente, o fruto oblongo da bananeira, mas há outras acepções menos simpáticas: é o indivíduo covarde e sem iniciativa; é o gesto obsceno e ofensivo que se faz com o braço erguido. O verbo embananar-se exprime pôr-se em dificuldade, confundir-se. A gíria “bananosa” traduz-se situação complicada. É inegável que a banana está eivada de conotações negativas, contra as quais, veementemente, protesto.
Pra finalizar a exaltação bananista e demonstrar a prodigalidade da minha protegida, trago o que Rubem Braga escreveu sobre bananas no seu livro “Recado de Primavera”, de 1984. Citando Carybé, o pintor argentino então radicado em Salvador, o velho Braga sugere que bananeiras plantadas na margem das estradas poderiam salvar vidas. Transcrevo aqui:” Hector Barnabé, vulgo Carybé, bom desenhista e mau motorista, cheio de especial senso baiano, tem uma idéia a respeito, que transmito ao DNER: ladear as estradas de bananeiras. E explica as vantagens: segura o carro, a batida é mais mole e ainda por cima dá bananas, aos cachos.” A banana é mesmo a menina-prodígio do reino frutífero.
Goiânia, maio de 2021
Fique tranquilo. Adoro banana…
Obrigado, Éder. Parece que o mundo literário é bananista mesmo.
Adorei a crônica. Adoro banana. Brincava quando menina em bananeira que já deu cacho, no quintal dos meus avós. Rsrsrs
Muito obrigado, Eliane.
Gostei muito do texto, mas não concordo com a origem. Ela não veio da Ásia, certa vez li que ela foi trazida pelos “Deuses Astronautas”, pois de tão perfeita não era coisa da terra. Acreditei.
Eu as como da forma descrita como “Chic”: corto duas na horizontal, coloco em um prato com suco de uma laranja, borrifo com bastante canela em pó e ponho no micro-ondas por três minutos. Como quente com uma bola de sorvete de creme. Delicia… só não é mais gostosa que este ensaio.
Muito obrigado, Leo. Seus comentários são generosos e nutritivos feito banana. Forte abraço!
Ótimo o seu ensaio, Luciano. A importância da banana para o brasileiro é mesmo subestimada. Seu texto me fez lembrar de meu avô, o velho Joaquim Pimenta de Castro, que dizia ter sido pioneiro no serviço de bordo dos ônibus intermunicipais no Brasil. Ele mandava servir, como cortesia da empresa, uma banana a cada passageiro durante o trajeto entre Batatais e São Sebastião do Paraíso. Isso lá nos idos da década de 40…
Muito obrigado, Carlos. O velho Pimenta de Castro era um sabio à frente do seu tempo. Abraço!
Original e divertida crônica que remete ao saborear as essências, o natural, nutrir-se ao invés de ostentar-se. Parece simples … como a banana!
Muito obrigado, Liliana.