Corre o segundo tempo da noite. É, aquele período após o intervalo para atendimento hidráulico do corpo. Nenhuma surpresa durante o percurso no escuro de ida e volta ao banheiro, nenhuma quina ou tropeção. Com prazer mergulho novamente no sono. Sei que agora o mergulho é mais superficial. Tudo bem, sono mais leve – lá no horizonte já há sinais do novo dia – mas eu vou aproveitar até a última gota. Afinal foi uma noite quente, meio abafada e agora já está mais fresquinho. Beleza.
Navego por sonhos confusos, continuações de histórias interrompidas, reincidências mentais que passam por ali, exibidas. Um barulho, de repente, chama minha atenção. Parece vir do banheiro dos quartos dos filhos. Um barulho que logo se perde, tragado pelo sono. Puxo o lençol, viro para o outro lado e retomo meu mergulho. Ouço passos, alguém parece se aproximar. Vem de onde? Quem é? Um dos filhos levantando mais cedo? Será que vai viajar? Acampar de novo? Ou será só alguém entrando no sonho?
Longos segundos se passam. O cérebro em modo alfa. Tudo pode acontecer: sonho e realidade estão no mesmo barco. Dialogam sem censura. Vai daí que os passos estão muito próximos e decido olhar na direção deles. Aparece na penumbra, destacando-se das sombras, um vulto de mulher em movimento. Quem é? Estranho seus cabelos, melhor seria dizer sua cabeleira armada projetando-se para os lados. Juba de leoa? Não faz sentido, não é minha mulher.
Tenho ainda um microssegundo para estender meu braço e verificar que minha mulher está dormindo tranquilamente ao meu lado.
A leoa avança.
Lanço um último apelo ao cérebro anestesiado: Orra meu! Confirma aí se é pesadelo ou não é!!
A leoa avança.
Cacete! Nenhuma resposta, o coração dispara:
– Que, que, quem está a…í??
A última sílaba sai abafada por cabelos que entram na minha boca. Ela já está deitada em cima de mim. Virou para o lado, espalhou sua juba pelo meu rosto e… Dormiu, apagou…
Percebo um pequeno detalhe: a jovem está nua, completamente nua. Entre nós apenas o fino lençol.
Nessa altura o modo alfa foi jogado às favas. Todos os alarmes ligados, o cérebro procura respostas. Socorro! Uma mulher leoa pelada entrou no meu quarto, deitou em cima de mim e minha mulher está dormindo do lado. Que pesadelo, que nada. Isso está acontecendo mesmo!
– Oi, olha, psiu, acorda. Acho que você está na cama errada.
Minha mulher acorda antes e, ainda bem, compreende a situação, assume seu posto na Operação Cama Errada.
– Ei menina, acorda, acorda. Você errou de quarto, acorda.
Muitos cutucões se acumulam até que finalmente a leoa desperta. Dá um pulo felino para fora da cama, olha assustada para nós dois, infinitamente constrangida. É agora um filhote assustado, com o rabo entre as pernas.
– Desculpa gente – anda um pouco e repete: desculpa gente
– Está desculpada, volta pelo corredor que você já acha o quarto certo.
Ufa, restou-nos o riso. Namoradinha nova, não conhece a planta de casa.