Como perceberão os incautos leitores, essa crônica não foi gerada por curiosidade científica como sua leitura poderia levá-los inicialmente a imaginar, mas tão somente pela associação do mais profundo tédio a incorrigível sadismo. Seu objetivo é levá-los a sentir o mesmo tédio que o autor massacrado pela pandemia; atitude apenas sádica, nada além disso. É o troco que dá aos inúmeros que importunam os médicos com perguntas sobre Covid-19. Ora, se soubessem eles antecipadamente as respostas que se dão a indagadores (ou inquisidores), elas já teriam surgido muito antes de serem indagadas e todos teriam sentido profundo alívio, sem provocar aversão.
Estando convencido que conversas rotineiras sobre Covid-19 brotam do casamento de tédio e apatia, não se sabe quem nasceu primeiro. Fossem os leitores imaginativos empregariam seu tempo sem criar e dispensar perguntas que sabem muito bem, não tem respostas.
Ou têm?…
Lamento profundamente que, por absoluta inépcia matemática, o autor não é capaz de responder com exatidão, embora se esforce aqui. E não foi por falta de empenho do pai, engenheiro, astrônomo, que viveu seus suficientes 94 anos mergulhado em complexos cálculos. Criança ainda, interno em colégio religioso em Niterói passava horas aprendendo matemática com um padre – Agostinho Janssen – físico teórico, amigo de Albert Einstein, depois reitor da Universidade de Beijing e, finalmente, fugitivo de Mao Tse Tung… Dizia Janssen que os chineses são o povo mais inteligente do planeta e o dominarão se tiverem oportunidade (graças ao complô de Trump, Bolsonaro e Deus ainda não tiveram). Enquanto digeria matemática, seus coleguinhas aproveitavam o intervalo entre aulas de forma mais inteligente correndo atrás de uma bola…
Tenta aqui forjar uma resposta ousando alguma matemática (o pai não está aqui para recriminar) acreditando ingenuamente, antes de surgir esse Corona vírus, que para boa saúde bastava saber as quatro operações aritméticas, não fumar, nem comer colesterol…
Até o momento foram 3 ou 4 % os patrícios vacinados em praticamente um mês. Para termos vacinados pelo menos 160 milhões de adultos – segundo os epidemiologistas isso impediria a propagação viral – mesmo considerando como eficaz só uma dose (ponha-se imaginação nisso quando a vacina é ainda a comunista), levaríamos 25 vezes os 4%, ou dois anos aproximadamente, para completar a tarefa na marcha atual. Mas, com otimismo e sonho acredita-se que o ritmo de vacinação acelere bastante, visto que, exauridos por crítica da sociedade, o capitão-presidente e o general-ministro podem até obedecer ao clamor popular e vacinarem 10% dos patrícios por mês. Afinal, para o mundo civilizado pega mal essa inércia, pior que pôr fogo na Amazônia, e pode levar a retaliações. Admitindo-se tal milagre, que por enquanto é pesadelo, pode-se então fazer um cálculo progressivo, chamado progressão geométrica e até logarítmica; outro é a chamada aritmética que mostra quantidade fixa com o tempo. Pelo primeiro cálculo, à espera da vacina ao início de abril sobrarão dos 160 milhões cerca de 144 milhões de candidatos, isto é, menos 10%, ou uns 14,4 milhões; sobram em maio 130 milhões, em junho 117, e assim sucessivamente, essa progressão leva-nos a pelo menos 20 meses até protegermos com vacina todos os 160 milhões (salvo engano nessa precária continha). Contabilizando de um jeito ou de outro a expectativa é que ao final, dezembro de 2021, o número ideal de vacinados será atingido. Simples assim? Não! Nunca! Não é que a matemática seja complicada, é que a biologia não é necessariamente comandada por números: o vírus tem direito a seus próprios humores e, com eles, a inúmeros disfarces que se chamam mutações promovendo suas retaliações.
Explica-se. Paralelamente à vacinação o vírus continuará atacando e fazendo vítimas vivas e mortas. Fosse unicamente pela existência dele, imaginando que os infectados fiquem imunizados – bota-se imaginação nisso – são já 11 milhões de contaminados no início de março de 2021. Numa continha de padaria ou quitanda (vejam a que descalabro chegou a aritmética do autor!), o número é 1 milhão por mês considerando que, eterno otimista, não contabiliza os mortos como se tivessem sido vacinados (são esses os vacinados inúteis). Se tal ritmo for estável, em progressão aritmética, os 160 milhões estarão todos vacinados, além dos mortos, em 160 meses, ou seja, aproximadamente 13 anos! Ao ritmo atual de 1100 mortos pela Covid por dia, dados atuais também imaginados estáveis, nesses 160 meses terão sido despachados sob a terra quase 5,3 milhões de cidadãos (convenhamos um número irrisório comparado ao de vacinados protegidos, portanto, nada a lamentar para uma gripezinha).
Acontece que o número de infectados, em crescimento, não é este: era pequeno no início e vem aumentando numa outra progressão, talvez aritmética, mas apenas em tempos recentes: desde março de 2020 são hoje uns 61 mil por dia e vem se mantendo assim aparentemente. Entretanto, antes de nos exasperarmos arredondemos esses números, imaginemos na progressão aritmética (número fixo por dia): para que o rebanho brasileiro de 160 milhões esteja “naturalmente” imunizado (ao sabor do vírus), levaria 2623 dias (±100 dias), como adoram mostrar os estatísticos com o que chamam desvio padrão, ou uns 7 anos. Poderia até calcular o número exato baseado nos meses iniciais passados em progressão geométrica, mas aqui a estimativa sairia do espaço do encéfalo do cronista e entraria na área da estatística, isto é, da probabilidade. Se persistisse a progressão geométrica da infecção certamente estariam todos naturalmente imunizados em menos tempo. A imunização natural estará doravante competindo com a vacinal artificial e que, neste momento, depende da boa vontade da dupla general/capitão, mas isto é hipotético. Mas a pergunta que segue é ainda exasperante: esse povo toleraria mais uns 2 ou 3 anos usando máscara e fazendo isolamento social? Não tendo cometido qualquer crime deve permanecer em prisão domiciliar? Só falta a tornozeleira…
Se as projeções são corretas teremos que lidar com uma análise estatística complexa e resultados inesperados. Pelo que se aprende na profissão médica, estatística é a melhor forma de mentir sem ser rotulado mentiroso porque o erro é nela permitido, embutido no cálculo. Mentir em outra circunstância sempre foi rotulado imperdoável mentira.
Vive-se aqui contabilmente outra matemática: é o número crescente de imunizados em rebanho variando simultaneamente em competição com os realmente protegidos por vacinas (meu pai, ressuscite e me ajude a sair desta que preciso terminar esta crônica!). Essa coisa é desse pessoal do Butantan e do Oswaldo Cruz, chamados cientistas, uns inconsequentes que insistem em andar na contramão produzindo vacinas, competindo injustamente com a ação natural do Corona. Por outro lado, na lógica federal (Palácio do Planalto) é pleno sucesso a chamada vacinação por rebanho que salva muito mais gente do que morre. É pagar para ver, ou melhor, calcular quanto é gasto em UTIs, hospitais, oxigênio, caixões de enterro, buracos de cemitério, etc. (ponha-se et cétera nisso), comparado ao custo de importar e dar vacina para toda gente. Mas, e as lágrimas pelos mortos? Não! Essas desaparecem facilmente pois se enxugam com lenços, são como as pontas dos icebergs para fora da água: a dor toda, muito maior, fica embaixo, escondida, ninguém vê.
Não se iludam. Os militares do ministério da Saúde (ou da Insalubridade instalada para melhor identificá-los), especialistas em logística, já fizeram essa conta e devem achar que ela vale ser considerada. Pelo menos até agora tem sido adotada com sucesso frente ao apoio político persistente e inação parlamentar. No entanto, têm que conversar com o Ministério da Economia para calcular quanto se perde em arrecadação com tal política. Com o silêncio deste último temos que admitir o óbvio: concorda com o da Insalubridade… Na Alemanha nazista essa política teve início com a gasificação dos incapazes mentais e pleno sucesso com os campos de extermínio, porém esses delinquentes foram cassados à força de armas. Aqui as armas limitam-se a pleitear cargos públicos.
Ora, indagarão impacientados os pacientes leitores: O que pretende esse autor aborrecendo-nos com essas contas inúteis? Megalomaníaco julgando-se escritor querendo nos deleitar? Quer deixar passar o tempo inútil sem saber o que fazer em sua crise de tédio? Ser lido por aqueles que ainda acreditam no Bolsonaro? Resposta: nenhuma das possibilidades, mesmo porque tais eleitores continuam votando, embora nunca leem livros, nem jornais e execram canal de televisão que propagandeia cassação de mandato. Os que leem são todos subversivos e da oposição. Devem ser silenciados!
Diariamente ouvimos essa esdrúxula divulgação do número total de mortos e ainda mortos por cada estado. Interessa a alguém em Porto Alegre quantos se foram em Manaus e vice-versa? De tão isolados eles não se veem, ignoram-se mutuamente em suas existências. Parece que à falta de notícias – devido a esse mundo parado – faz-se prolongar o aborrecidamente ao da consequência da Covid. Nem a mulher do tempo interessa muito com todos retidos em casa abrigados da chuva e impedidos de tomar sol. O horário era antes muito bem consumido na detalhada descrição dos gols da rodada e do frêmito da plateia. Agora até esse rugido é falso. Estaríamos em treinamento para viver em cápsulas em solo marciano? Desconfio que sim: estão começando a explorar Marte. Com qual propósito? Deve ser coisa da CIA para se contrapor ao vírus inventado na China!
O autor pretendeu sorrateiro principalmente contabilizar quanto tempo o campo em que joga futebol permanecerá interditado. Afinal, não tendo herdado a matemática paterna, orgulha-se por ter se dedicado com afinco à atividade com a bola assim compensando aquele que o pai perdeu com matemática, útil apenas para ver estrelas, e aproveita para agradecer a paciência do leitor para com seus exercícios numéricos praticados sem arrependimento.
Caro autor, eu uma impacientada paciente leitora, informo que em certo momento julguei estar lendo Machado e me deliciei com o fato. E torço, como boa corintiana que sou, para que o caríssimo patrício volte rapidamente ás suas peladas. As da grama verde e não quaisquer outras que possam vir ás mentes menos atléticas.
Excelente crônica desses nossos tempos.
Lidia Izecson
Leo, Matemática sem arrependimento é uma crônica realista, (estou rindo), que mostra que tédio não é só uma palavra, nem gera um só sentimento, mas múltiplos, o terror, o sentir-se em mato sem cachorro, o ódio pelo caos político, apenas alguns outros. E a crônica mostra também um ramo no qual, a matemática necessariamente se engana…a estatística! Que possamos, enquanto humanidade, não apenas sobreviver, viver. Por enquanto, está nos restando, o que? As estatística?
Grande Dr. Eder, sinto que suas reflexões matemáticas capturaram bem essa espiral descendente em que nos metemos. Precisamos multiplicar por -1 para invertemos a trajetória e darmos mais esperança aos nossos netos.
Em reflexões sobre a realidade atual, Eder nos conduz a um campo de indagações e perplexidade. O leitor só tem de agradecer seus exercícios numéricos e o seu posicionamento frente à nossa tragédia, valeu!