Prezado leitor, na vida tem coisas que não dá para entender. Vou contar a verdadeira historia de um casal, pois fui confidente de um deles, na esperança de que vocês me ajudem a chegar a uma conclusão.
Alberto Nogueira, vice-gerente de uma agência bancária, com 28 anos é sério, íntegro, temente a Deus. Considerado por todos um bom homem. Frequentador da congregação da paróquia do bairro, em uma das reuniões conheceu Neide Rodrigues, moça recatada, de 23 anos, vinda do interior do Rio Grande do Sul.
Neide veio para São Paulo cuidar de uma tia já idosa, aproveitando para fugir de “ficar falada”, como costumavam dizer na sua terra natal das moças mais arrojadas. Em verdade, Neide era bastante desinibida, carinhosa, brincalhona e expansiva. Rapidamente ganhou a simpatia da tia que passou a achá-la uma graça de Deus em sua vida já longa. Infelizmente depois de alguns meses de sua chegada a velha senhora faleceu. Cheia de amores pela sobrinha querida, deixou em testamento tudo o que tinha para ela.
Já antes da morte da tia, Alberto caiu de interesse por Neide e com maquinações de membros da congregação venceu a timidez e iniciaram um namoro com aprovação de todos.
Casualmente, na época, Alberto foi promovido a gerente. Agora, com um salário razoável, uma casa própria em uma pequena vila no bairro e um carro que só usava aos domingos e feriados para passear, já podia dar um passo maior.
Morrendo de desejo pela gauchinha Neide e seus beijos cheios de fogo, resolveu pedi-la em casamento. Queria uma cerimônia rápida e simples. Neide só precisava trazer suas coisas para a casa dele. É lógico, depois do casamento.
Uma testemunha contou esse diálogo do casal, quando Neide foi conhecer a casa que ia morar:
– Não, não, não, Alberto, disse Neide, categórica. Não troque a cama, ela não precisa ser uma destas gigantescas, Queen, King ou sei lá o que, esta, tradicional, está ótima.
– Mas, Neide, como você vê esse quarto é grande e nele cabe perfeitamente uma maior. Esta é a cama que eu uso como solteiro, agora que vamos casar devemos ter uma maior para ficar mais confortável. Eu compro novas roupas de cama para o modelo que escolhermos.
– Alberto, meu enxoval tem roupa para o tamanho desta cama. Mas não se trata disso, vou confessar, cochichou para ele: agora que vamos casar, morar junto, quero estar juntinha de você, a noite toda.
A timidez de Alberto fez com que ficasse vermelho e sem argumento, concordou, sorrindo, satisfeito.
Alberto, um sujeito de princípios antigos não quis nem tomar conhecimento dos bens de Neide. Disse a quem quisesse ouvir: – O que é dela é dela, eu sou o homem, eu mantenho a casa e minha esposa.
A lua de mel foi na própria casa já que não podiam viajar por causa da recém-promoção no banco. Para a surpresa de ambos, já na primeira noite, o sexo foi competente, prazeroso e prolongado. Mais surpreso ficou Alberto com a exigência de Neide de dormirem sem roupas. Desde então, passaram a dormir nus, ambos satisfeitos com isso.
Após o casamento, a casa deles era aquilo que se pode chamar um brinco, brilhando, cheirando a limpeza, tudo arrumado.
Alberto todos os dias, fizesse chuva ou sol, ia e voltava do trabalho a alguns quilômetros de casa, a pé. Era seu exercício diário. O carro era usado por Neide, como dizia Alberto, para as compras da casa e para fazer suas coisinhas.
Quando chegava do trabalho à noite, Neide o esperava com o jantar já pronto. Jantavam, assistiam noticias na TV e conversavam sobre as coisas do dia. Às dez horas, subiam para o quarto tomavam banho e iam para a cama nus, ela cheirando lavanda, ele alfazema. Nos momentos íntimos, Neide costumava dizer para Alberto, “meu corpo é seu, seu corpo é meu”.
Nos fins de semana, passeavam de carro, iam ao cinema, comiam em churrascaria e faziam algumas compras. Nessa rotina, o casal era feliz.
Vários meses depois, um dia Alberto chegou em casa e notou que o carro não estava. Entrou e viu um bilhete de Neide sobre a mesa que dizia: – Precisei ir, não me procure, volto daqui um tempo.
Alberto se desesperou, mas não deu mostra. Quando vizinhos perguntaram, disse que ela tinha ido ajudar um parente. Entenderam que ela tinha ido cuidar da mãe e comentavam como o Alberto era um homem bom.
Ele esperou, sofreu, cada vez que olhava para o porta-retrato com a foto de Neide no buffet da sala, resmungava: – Por que? Por que?
Os dias foram passando, semanas também. As roupas de Alberto já não eram bem passadas, a casa não estava mais tão limpa, emagreceu e entristeceu a olhos vistos.
Depois de 28 dias, chegou cabisbaixo na vila onde morava, notou que o carro estava estacionado. Entrou rápido e Neide veio ao seu encontro, temerosa. Ele a abraçou e ficaram assim muito tempo. Ele não falou nem perguntou nada. Quando Neide quis dizer algo, colocou a mão na sua boca para que não falasse. A única coisa que disse foi: – Não faça mais isso. Realmente Alberto era muito bom.
Tudo voltou a ser como era antes em sua rotina diária, como uma máquina industrial repetindo o mesmo movimento sempre. O casal parecia feliz e realizado.
Depois de alguns meses Alberto notou que Neide começou a ficar meio distante, mais pensativa e, com o tempo, foi perdendo o brilho e a alegria que a acompanhavam. Lembrou que Neide ficara assim quando tinha sumiu da última vez. Preocupado, passou a observá-la mais atentamente. Ela, em poucos dias, foi mudando, como uma flor murchando. As coisas que antes fazia alegremente, agora eram feitas mecanicamente. Mesmo as noites, que antes eram cheias desejo, passaram a ser protocolares. Alberto não reclamava, só observava. Não era essa sua Neide, sofria, preocupado, pensando em uma solução.
Um sábado, após uma noite mal dormida, Alberto chegou à conclusão extrema. Não queria que ela ficasse assim, achava que, dentro dessa aparência de desinteresse, Neide sofria muito. Logo após o café da manhã, olhou para Neide com uma expressão tão triste que ela se sentiu sufocar e disse: – Neide eu te amo muito, quer ir, pode ir…
Neide não disse nada, preparou uma mala e, quando chamou um taxi, Alberto falou: – Pode levar o carro. Ela olhou pra ele com carinho e disse: – Não preciso obrigada.
Quando saía pela porta, Neide virou, olhou para ele, e disse: – Alberto, você é bom demais.
Neide saiu e nunca mais voltou.
Ainda hoje, quando olha para o porta retrato no buffet, Alberto resmunga:
– Por que? Por quê?
Querido leitor, conto com sua ajuda, escute a música do Cartola a seguir e talvez ela nos ajude a entender o que aconteceu.
Aperte o play para ouvir Cartola e, quem sabe, encontrar uma resposta para a história triste de Alberto
Que delícia, Léo! Um Nelson Rodrigues (“Não se apresse em perdoar. A misericórdia também corrompe”) romântico e com sabedoria de viver. Foram felizes até mais poder!
Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Espero que ele também veja o sol nascer.
Lindo Leo. Deveras lindo! Poético e sensivel. Tem que deixar ir e se ir igualmente!
beijo e obrigada!
bj B
Leo, fiquei tão triste pelo Alberto….e a música do Cartola me cortou o coração, pobre Alberto, que não entendeu nada, mas deixou o pássaro voar. Gostei muito, acertou no tom!
De que redoma, Léo, é possível encontrar o mistério da água que corre para o mar? Cartola não explica, mas diz tudo, ela só queria sair a procurar, simples assim. Será que Alberto conseguiu entender isso? Acho que que esta história pode ter novos capítulos, adorei a leitura. Parabéns!
A solução desses amores insolúveis talvez seja ouvir Cartola e deixar as coisas partindo, chegando, sumindo e nos enchendo dessa saudade melancolicamente prazerosa. Grato, Leo.
Que delícia de texto, Leo! Parabéns!!!
Leo, que texto! Alberto não quis ouvir, só falou, “Não faça mais isto”. Na segunda vez ela deixou o carro. Ainda voltaria? Lourdes propôs dormir sem roupa, e se escondia na ausência de palavras… Ouvir Cartola…