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28 de março de 1994. Neste dia, dr. Joaquim de Oliveira, 44 anos, reconhecido como jovem gênio financeiro, vice-presidente do Banco Internacional, responsável pelos investimentos de grandes clientes, recebeu uma visita inesperada.
A secretária entrou na pomposa sala do vice-presidente e timidamente anunciou:
– Dr. Oliveira, o diretor de contas Sampaio quer saber se o senhor pode atender uma cliente do grupo dele que insiste em falar com o senhor pessoalmente. Como é uma cliente com grande volume investido no banco, ela gostaria que o senhor a atendesse.
– OK, ligue para ele, por favor.
A secretária ligou para o ramal do diretor e passou o telefone.
– Alô Sampaio, porque devo atender essa cliente? Você sabe que não costumo receber clientes.
– Pois é Joaquim, mas ela insistiu muito, recebeu uma grande herança e está investindo conosco, disse que te conhece.
– Quem é ela?
– É uma juíza, Dra. Mônica de Almeida Gouveia. Você pode recebê-la?
Dr. Joaquim – o homem que não mostrava emoção, nunca sorria, apelidado de homem de gelo – sentiu o impacto da notícia, mas, como sempre, não deu demonstração. Congelou alguns segundos como estivesse pensando e disse:
– Sim vou recebê-la, peça para ela subir até minha sala, mas explique que vai ter que esperar alguns minutos, pois este encontro não estava agendado e eu tenho que terminar o que estou fazendo. Obrigado.
Joaquim instruiu a secretária, recostou-se na cadeira, suspirou, procurou relaxar e passou a se questionar:
Depois de tanto tempo Mônica, sua amiga de juventude tinha resolvido procurá-lo. Por que seria? Lembrou-se da primeira vez em que a vira. Uma mulher com um corpo bonito, robusto, rosto com traços delicados, mas o que mais lhe chamou a atenção na época foram os olhos, de um azul-cinzento e brilho intenso que irradiavam segurança. Na hora, sentiu que precisava estar ao lado daquela mulher. Dai surgiu uma profunda amizade que durou até sua grande mudança. Depois, nunca mais a viu. Acompanhou sua evolução profissional pelo noticiário desde sua formatura em Direito a promissora jovem juíza.
Sua grande mudança…ou, na verdade, uma grande fuga para resolver seus complexos de inferioridade e rejeição depois de ter sido chutado pela grande paixão de sua vida. Precisou abandonar tudo, inclusive a querida amiga Mônica, para vestir a fantasia de executivo dedicado e colocar a máscara de homem frio e calculista, que nunca mais tirou e que foi se fixando de tal forma que hoje, nem que quisesse conseguiria tirá-la.
Passados quinze minutos, pediu que a secretaria acompanhasse a cliente em sua sala e, como sempre. esperou formalmente em pé ao lado de sua mesa.
Mônica, impressionada com o formalismo e bom gosto do escritório do banqueiro, foi conduzida da sala de espera à porta da sala do vice-presidente, Tão logo entrou na sala, viu Joaquim em pé ao lado da mesa. Automaticamente, todo o seu passado com o amigo lhe veio a mente: encontros, passeios, shows, festas, debates até o mais importante: a noite que passou tentando livrar o amigo de suas angústias e que virou a sua noite inesquecível de amor.
Continuava lindo, agora com uma elegância britânica, exatamente como o vira em uma palestra sobre Economia e Finanças. Notara naquele dia que ainda conservava o que mais a encantara nos idos tempos, o seu gestual. Enquanto falava com sua voz grave, pausadamente soando natural, com suas mãos grandes, longas, ossudas, leves e bem cuidadas parecia modelar e acariciar cada palavra em suas frases. Tentara falar com ele após a palestra, mas não tinha conseguido. Como de hábito ele se retirara rapidamente.
– Dra. Gouveia tenha a bondade, disse Joaquim, apontando para a poltrona em frente à sua mesa.
– Que é isso Quim sou eu, a Mô!, disse Mônica, caminhando na direção dele com os braços estendidos para um abraço de corpo inteiro.
Aquele saudoso corpo grudado no seu, os cabelos sedosos em seu rosto, o cheiro permanente de lavanda provocaram em Quim uma sensação agradável de acolhimento e prazer que logo se transformou numa incontrolável ereção.
Mônica se afastou segurando em seus ombros, olhou-o por um bom tempo com seus olhos faiscantes e deu-lhe um beijou demorado na bochecha perto da boca. Suspirou e disse:
– Quanto tempo…que saudades meu querido!
Joaquim, sem jeito, apontou para a poltrona em frente à mesa e falou de forma desconexa:
-É mesmo… muito tempo…saudades.
Ela sentou , ele refugiou-se atrás de sua mesa de trabalho e disse sem jeito:
– Aceita café, suco… em que posso ajudá-la doutora… Isto é, Mô, desculpe!
– Não se preocupe, meus investimentos estão muito bem cuidados pelo seu pessoal. Vim por outro motivo.
Ah, bom, como?
Mônica tirou de dentro da bolsa uma carteira e tirou de lá um pequeno papel dobrado que entregou pra ele dizendo: Você lembra-se disso aqui?
Joaquim, curioso, pegou o papel amarelado e examinou, enquanto ela dizia: – A data eu que escrevi, 27 de março de 1974.
Desdobrou, leu a frase escrita em maiúsculas: ELA TEM RAZÃO. De imediato, e muito pálido, teve um daqueles conhecidos congelamentos.
– Lembra?, ela disse.
– Lógico, respondeu com aparência calma após um tempo, como poderia esquecer o que mudou tanto a minha vida? Como você conseguiu esse papel?
– Naquele dia te segui com medo que fizesse uma besteira. Assim que saiu daquele bar onde escreveu isso, peguei esse papel que deixou na mesa e guardei para falar com você depois, mas você sumiu. Hoje 20 anos depois, vim devolver e me desculpar por aquele dia. Sempre me senti culpada por sua e minha mudança.
– Quim…o que aconteceu com nossos sonhos?
Frio como sempre, o rosto do homem de gelo não revelou nenhum sinal, mas os olhou não resistiram ao impacto. Teve que disfarçar e foi salvo pela entrada de um copeiro com uma bandeja de café e suco que passou a servir, enquanto Quim respondia:
– Mudaram…mudaram…
Conversaram durante bom tempo recordando coisas daqueles tempos, das mudanças, faculdade, casos amorosos que tiveram e não tiveram. Mônica contou que estava adotando duas meninas recém-nascidas, já era mais do que hora de formar uma família, uma vez que nunca tinha dado certo se dar a alguém para isso. Em seguida falou sorrindo:
– Algum tempo atrás encontrei sua amada Ana Célia. Ela havia terminado seu terceiro casamento, disse que ia te procurar.
Ele respondeu:
– Já veio, queria falar sobre investimentos, infelizmente não pude atendê-la, pedi que um dos meus gerentes a recebesse.
– Isso significa que está curado?
– Faz tempo.
– Ótimo… Agora tenho que ir.
Quim a acompanhou. Enquanto esperavam o elevador disse:
– Puxa, conversamos como antes, como se tivéssemos nos visto ontem.
– Lembra como só nós curtíamos Camões? Ele escreveu “A verdadeira afeição na longa ausência se prova”.
Automaticamente, Quim respondeu:
– “Ah o amor… que nasce não sei onde, vem não sei como, e dói não sei porquê”.
Mônica olhou para ele com olhos marejados, e disse:
– Está na hora de reconstruirmos a velha amizade.
O elevador abriu a porta e ela entrou, enquanto Quim dizia:
– Mônica querida, há muito tempo fiz duas adoções, a “solidão” e o “silencio”.
A porta do elevador fechou.
Que pena, Dr. Oliveira, perdeu sua vida ao escolher suas adoções, solidão e silêncio.
Há tantos homens assim…
Será covardia?
Música maravilhosa!