Do lado Carvalho Alves, uma de suas famílias, descende de cristãos novos. Vieram em bandos, para o Brasil, fugidos da inquisição. Ficou mandona, como foram os bisavós cristãos novos: o Quinca Mariano e a Donana, primos irmão, ou seja, primos em primeiro grau. Quase incesto. Contando um pouco de histórias, para vocês:
Em 1600, judeus fugiram da inquisição. Mas a inquisição não estava apenas na Espanha e Portugal, estava em todos os lugares, incluindo o Brasil. Para escapar a morte, judeus adotaram outros nomes, como Carvalho, ou Carvalho Alves, Pereira, Pera, Parreira, Vieira, ou Parreira Vieira, Lobo, nomes de frutas, de bichos, de árvores. Os descendentes perderam a memória dos acontecimentos passados. Mas guardando a memória, através do inconsciente coletivo, preservaram características, a eles transmitidas, características essas que transmitiram a seus descendentes, como se genéticas. E quem é que sabe? Boas pessoas, preocupadas com as pessoas, com os filhos, os netos, os bisnetos, e os amigos da cidade de Araguari, no Triângulo Mineiro, ali, Donana e Quinca Mariano foram muito queridos. Quando Donana estava velha, viveu até os 83 anos, parava gente diante dela, que costumava se sentar na varanda que dava para a rua, em uma poltrona de vime. Donana e Quinca eram, no entanto, mandões. Donana carregava penduradas na cintura, todas as chaves da casa. A maior delas, a da despensa. E havia ali com ela, o Quinca Mariano, que virou mais tarde, nome de rua. Descubro, através de mim, de minha família, e do que vou descobrindo da humanidade, no inconsciente coletivo há o pavor da inquisição, assim, as pessoas, precisam fugir e se defender.
A menina cresceu no meio deles, no meio de todos eles, uns cristãos novos, outros não. Todos se davam bem entre si, e a amavam. Doce, levada, alegre, era também birrenta. Aprendeu a peitar. E hoje descubro: peitar pelo pavor de ser morta pela inquisição, herança dos marianos.
A medida que aprendo, deixo de peitar.