Pontilhado, pontilhar que ora se confundia com a paisagem, ora faiscava nos olhos.
Sempre intermitente, de duração variada, segundos, minutos, não mais de cada vez; somados no dia poderia se contar em horas, ainda que não fosse claro se seriam horas despertas ou sonhadas.
Apertando as sobrancelhas alguma forma queria aparecer, logo se desfazia, pontos impressionistas buscando o pincel que os unisse.
Permaneciam em quietude ou em ebulição, cadenciados às batidas do coração, das palmas das mãos ou dos pés, ou mesmo do piscar.
Ebulição: passagem de um líquido ao estado de vapor acompanhada da formação de bolhas; efervescência gasosa que ocorre na fermentação; fervor, entusiasmo, impetuosidade.
Calmaria: grande calor sem viração, sem ventos; ausência ou cessação de ventos; mudez, paz, remanso, quietude.
Dependia do estado de ânimo? Nem sempre, tinham vontade própria.
A princípio inusitado, depois natural, foi se deixando envolver. Seu corpo pontilhou, entre o real e o sonho; tornou-se impressionista.
LILIANA LIVIANO WAHBA – Psicanalista junguiana. Profa Dra da PUC-SP. Diretora de Psicologia da Associação Ser em Cena – Teatro de Afásicos. Autora de Camille Claudel: Criação e Loucura.
Transmutação do dentro para o fora, do fora para o dentro, não há mais separação entre fora e dentro. Muito lindo. Lembrei-me de uma conto de Cortázar, Axolotes:
” Por isso não houve nada de estranho no que aconteceu. Minha cara estava grudada no vidro do aquário, meus olhos tratavam uma vez mais de penetrar no mistério desses olhos de ouro sem íris e sem pupila. Via de muito perto a cara de um axolote imóvel junto ao vidro. Sem transição, sem surpresa, vi minha cara contra o vidro, em vez do axolote vi minha cara contra o vidro, eu a vi fora do aquário, do outro lado do vidro. Então minha cara se afastou e eu compreendi.
Agora sou definitivamente um axolote, e se penso como um homem é só porque todo axolote pensa como um homem dentro de sua imagem de pedra rosa”.