Nasci entusiasmada, em estado de arrebatamento, de exaltação, de paixão. Assim minha mãe me conta. Mamava com alegria tão intensa que vomitava em seguida. Meu corpinho não aguentava tanta gula.
Estava possuída por um deus interior, assim me contaram, via o mundo pelos olhos deste deus que morava dentro de mim.
Ele adorava sua criação, eu também adorava sua criação.
Eu dizia, como é possível nuvem ser cachorro, virar sapo, virar casa?
Eu dizia, isto não pode estar acontecendo!
Eu dizia, estou sonhando.
Eu dizia, ouve o medo do guarda.
Eu dizia, me segura pra eu não cair do muro!
Eu dizia, olha!
Eu dizia, vamos!
Eu dizia, escuta!
Eu dizia, estou pronta pra cuspir.
Eu dizia, respira, sente, suspira, sorri, chora, morde, engole, sonha, corre, reza, ama, come, canta!
E eu respirava todo o ar que cabia nos pulmões; e fervorosamente o expelia até desmaiar; e sonhava todos os sonhos do universo, olhava as paisagens esquecidas, chorava as lágrimas do mundo.
E gargalhava com os abismos e apostava corrida com o vento.
Hoje, sinto as artimanhas do vento, o cheiro do ar, assopro os desenhos das nuvens, acalmo o guarda medroso. Não trepo no muro, me assombro com meus sonhos, respiro com respeito, choro com um olho de cada vez. Ainda dou gargalhadas com os abismos e adoro cuspir!
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SYLVIA LOEB – É psicanalista e escritora. Visite seu site, acesse sua página no Facebook ou escreva para o email [email protected]!
uau! esse é muito bom!
Dormi com o conto.
Só pra confirmar.
Delícia de entusiasmo.
““Era uma vez um pássaro, meu Deus!””. Lispector…
Era uma vez um pássaro, meu Deus!
Grande Clarice, espantada.
Beleza de escrita, cada frase uma meditação. Rezar e cuspir, sucessiva e continuamente …
Beleza de escrita. Tão efêmeros e tão intensos, somos parcelas e somos todo, flagrou instantâneas do ser
Entusiamos são labaredas, às vezes se apagam, outras se espalham sem controle.
Quando tive a coragem de, pela primeira fez, pedir a uma poeta famosa para ler minha coleção de poemas, ela me disse: “Você não escreve poemas, você escreve prosa poética.” Fiquei arrasada, eu não sabia que era um elogio.
É esse elogio que quero fazer aqui a este seu texto. Não vejo um conto nem um poema, vejo um texto/poema vestido de “prosa poética”. Lindo! Lição de vida.
Esther, ultimamente tenho pensado em fronteiras, que nos limitam e separam. Sua palavras abriram abriram nossas comportas, pusemos nos encontrar. Obrigada.