Vontade,
por Paulo Akira

Hoje acordei pensando em Deus.
Normalmente eu praguejo a Deus, embora ateu.
Hoje, não, calmamente pensei em Deus.
Sem orações, sem desejos, sem lamúrias.
Não que tenha algo especial para dizer-lhe
(a mim mesmo, penso).

– Que seja a Deus, então.

Nem esperava um diálogo.
Não aguardava um sinal.
Não esperava um relâmpago.
Afinal, nem acredito Nele.

Ele sou eu.

Como é bom ser não eu,
ser um outro que me ouve…

e entende.

Certa angústia sementeou,
caulejou,
aerofloriu,
e nuvificou,
sombreando o sol da manhã.

– Solidão!

Ainda bem que todo dia tem uma manhã,
mesmo o dia seguinte de um outro ano.
No dia seguinte posso

– eu, o outro e Deus (talvez) –

outroficar
em solitude.

Evoé ao tempo!

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PAULO AKIRA NAKAZATO – 55 anos, físico. Adora palavras e às vezes organiza algumas em contos e crônicas, esperando que façam sentido. Mas o que o atrai, mesmo, é quando elas orbitam no poema e se arranjam em sistemas estelares próprios.

6 comentários

  1. As palavras que vão nascendo fazem com que o leitor siga palavreando, criando outras palavras inexistentes dos dicionários oficiais e conjugando verbos inventados. O poema assim sara a alma – de modo que presta um desserviço às clínicas psicanalíticas [quem irá se tratar no divã depois de ler a poesia que tudo cura??].

  2. O poema “Vontade”, Paulo Akira, jardim de palavras, revifica o leitor. O eu e o outro (Deus?). Como falou Zlot, as clínicas psicanalíticas se tornam dispensáveis quando lemos a poesia que tudo cura.

  3. Akira: não sei se Einstein, também físico, era crédulo ou ateu quando disse que deus não joga dados (cada um julga esta frase a seu modo), mas também como ateu, sinto que sua teoria da relatividade foi divina…

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