Banho de loja,
por Liliana Wahba

 

 

 

 

Grande e roliça, lá pelos cinquenta anos, olhos um tanto vesgos, cabelos ralos e ausência de estética no trajar, parecia ao longe uma barraca de praia de cores chapadas.

Morava com uma tia no interior e o único noivo da juventude, franzino e doentio, morrera de tuberculose na véspera de consumar o casamento selando a virgindade.

A prima insistia que fosse à cidade grande para espairecer e adentrar na mundaneidade, insistência essa derivada de motivação nobre ou da monotonia do convívio sem parênteses.

Certo final de semana atreveu-se,  e lá foi visitar o que havia de mais moderno e vistoso: um Shopping Center de bairro nobre. A enorme bolsa recheada de economias, verde como o vestido verde bandeira, era segurada apertada para não facilitar os larápios. Tinha disponível a tarde inteira, pois somente voltaria no dia seguinte, com pernoite em um hotel simples e confortável onde deixou sua pequena mala antes destinada à viagem de núpcias frustrada.

As luzes e brilho do shopping a ofuscaram quando entrou, sem saber onde se dirigir, tantos sinais, corredores, espelhos, escadarias, vitrines, objetos de toda sorte, pessoas que pareciam tão diferentes dela, apesar de não saber definir em que ou no que.

Um pouco mareada – como aquela vez que passeou de barco com a tia em Santos -, e um tanto confusa, sentiu que puxavam delicadamente seu braço e uma bonita moça de sorriso encantador, o rosto pintado como uma atriz de cinema,  conduziu-a para uma poltrona alta dizendo: “Seu rosto é muito marcante, esse olhar enigmático e boca fina reservada, nariz delicado (de fato, quase inexistente), merece atenção especial”.

Sem ainda entender bem o que a jovem queria, gostou do agrado e se deixou maquiar: sombras, batom, base e brilho no cabelo. A moça esfuziante segurou rapidamente o espelho à sua frente exclamando: “Agora sim! Apareceu seu rosto como deve ser, e estes produtos foram feitos para si, ninguém os realçaria tão bem”. Despediu-se agraciada com a compra e foi comer um sanduíche com milk shake.

A pausa permitiu que olhasse em volta e começou a se orientar um pouco naquele labirinto. Na porta de uma loja com vitrine de roupas que nunca tinha usado, enquanto pensava que seriam elegantes, um termo que jamais compreendera muito bem, outra jovem de camisa branca impecável a chamou com um caloroso sorriso e olhar benevolente. Perguntou-lhe o que procurava e, como não soube responder, a moça lhe ofereceu água, café, bolachinhas, e começou a trazer vestidos, blusas, saias, casacos, do tamanho certo para ela: como sabia qual era? Sentiu-se olhada, querida, adulada. Mais do que as roupas que ia experimentando e mal via como eram, as palavras da vendedora a preenchiam de satisfação: “Como lhe cai bem! Foi feito para a senhora, possui um porte majestoso e precisa valorizá-lo”.

Levou algumas peças despedindo-se com um abraço e promessa de retorno. Com as sacolas de papel acetinado e impecáveis letras desenhadas – veio-lhe o termo elegante de novo -, mudou de piso e parou diante de uma vitrine de bijuterias com colares de pedras chamativas. Desta vez uma senhora de cabelos mechados loiros como vira em  revistas, com roupas soltas de seda, saia, blusa, xale, e mais algo que não reconhecia, lhe perguntou: “Busca algo para si ou para presentear?”

Sem dar-lhe tempo de responder, apontou a vitrine: “Esse que está olhando é perfeito para sua elegância natural”. Elegância? Uma senhora tão fina achava que era elegante nesse Shopping de luxo?

Acabou comprando um dos colares mais caros incentivada pela senhora que acenava para ela afirmativamente, afetuosamente, esquecida de tudo mais, somente dirigida a ela, com o colar pousado no peito como um abraço reluzente e colorido.

Com sentimento de gratidão por aquelas pessoas tão prestimosas, foi para o hotel, deitou-se com o corpo fatigado e ponderou: isso é um banho de loja!  

 

LILIANA LIVIANO WAHBA – Psicanalista junguiana. Profa Dra da PUC-SP. Diretora de Psicologia da Associação Ser em Cena – Teatro de Afásicos. Autora de Camille Claudel: Criação e Loucura.

 

Um comentário

  1. Liliana, gostei muito da descrição do seu templo de consumo e dos personagens que o compuseram, estamos tão acostumados a esbarrar com eles e quase não os notamos. Com delicadeza você dirigiu nosso olhar através de uma interiorana e seu banho de loja ou melhor seu necessário banho de ego.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *