Assim que botei a cabeça pra fora do corpo da minha mãe, senti medo.
Barulho ensurdecedor, luz violenta, frio de matar. Queria voltar pra aguinha morna, pras paredes cor de rosa que me abrigavam, não consegui. Caí num abismo sem fim, mãos estúpidas me agarraram, arranharam minha pele. Comecei a gritar, a espernear, só me acalmei quando minha mãe encostou seu corpo morno no meu, quando ouvi sua voz.
Acho que por causa disto tenho medo até hoje.
Comecei a ter medo do escuro, depois melhorou.
Comecei a ter medo de monstros que vinham me visitar enquanto eu dormia. Minha me acalmava, dizendo que eram só pesadelos.
Comecei a ter medo de um bicho que morava debaixo de minha cama, meu pai se agachava e dizia pra eu ficar sossega, não tinha nada ali, podia dormir em paz, ele ficaria de guarda.
Comecei a ter medo da professora, não queria ir pra escola. Minha mãe ficava comigo, dizia que escola era um lugar muito bom, que eu teria amiguinhos pra brincar.
Comecei a ter medo que minha mãe parasse de gostar de mim.
Comecei a ter medo que meu pai brigasse comigo.
Comecei a ter medo que minha mãe morresse.
Comecei a ter medo que meu pai morresse.
Queria morrer para parar de sentir medo, mas fiquei com medo da morte.
Hoje tenho medo da violência, das palavras feias, do ódio que sai pela boca e pelos olhos das pessoas, tenho medo da polícia, dos assaltantes, dos políticos, dos fanáticos, de tiros, dos torcedores de futebol, da inflação, do desemprego, das doenças, do desamparo…
Tenho medo do meu medo, então dobro meu medo, dobro mais uma vez e de novo e de novo até formar um pacote pequeno, que guardo bem guardado, e saio pra vida que me chama, pois só ela consegue enfrentar o medo.
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SYLVIA LOEB – É psicanalista e escritora. Visite seu site, acesse sua página no Facebook ou escreva para o email [email protected]!