Minhas orelhas são um chamariz; nelas penduro adornos de todos os tipos, brincos de pedras preciosas, pedaços de ricos metais. Tenho vontade de fazer um grande buraco no lóbulo, ampliado por um aro de ouro, mas sinto receio de perder a sensibilidade erógena, sou muito ligada nesta zona do corpo. Perfumo e enfeito minhas orelhas.
É o que faço para disfarçar um dom. Tenho um ouvido excepcional. Ouço tudo o que dizem, mesmo a uma grande distância. Ouço tudo o que não dizem também, ouço o que ainda não se transformou em palavras.
Quando esse talento surgiu fiquei tão feliz que me apressei em contar para todos os amigos. Poderia usar esse milagre para ajudar as pessoas a evitar mal entendidos, poderia usar esse milagre para auxiliar as muito travadas: eu serviria de intérprete, de tradutor do ainda não dito.
Sou habitada pelas palavras dos outros, uma ponte de comunicação entre os humanos. Uma dádiva!
Grande engano.
As pessoas desconfiam de mim, dizem que ouço vozes. Minha arte é vista como doença.
Escondo minha virtude enfeitando minhas orelhas, aspergindo perfumes delicados atrás delas.
__________________________________________________________________________________________
SYLVIA LOEB – É psicanalista e escritora. Visite seu site, acesse sua página no Facebook ou escreva para o email [email protected]!
Ficou ótimo — como os outros sobre ‘o corpo’!!
Tradutor do ainda não dito, bela metáfora para o escritor e as palavras inspiradas, e ouvir vozes como os loucos e os inocentes? Os inocentes ouvem vozes?
Os inocentes, os loucos, os conectados em outros mundos, sim, ouvem vozes.