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Marion,
Abrindo uma garrafa de vinho disse baixinho, quase resmungando, voltado para a parede abarrotada de livros do seu escritório.
– Ela está lá no quarto de hóspedes dormindo, jamais a levaria para nosso quarto. Olhava atentamente para a elegante urna de madeira nobre, entre os livros, no meio da prateleira central. Foi até o aparador, encheu duas taças com o vinho, cheirou e provou. Ainda resmungando falou:
– Está ótimo, vou tomar no quarto.
Entrou, fechou a porta, foi até a poltrona do canto, colocou as taças na mesa ao lado de um livro aberto. Ligou o pequeno aparelho de som com o CD das Variações Goldberg de Bach, por achar esta
música própria para quem dormia. Sentou-se e, entre um gole e outro, observou a mulher nua, dormindo de bruços na cama.
Muito bonita não linda. A beleza era da idade. Jovem, 28 anos, a pele firme, muito branca, boas proporções, pernas bem torneadas e compridas. Nada atlética, uma maciez provocada pela pequena
camada de gordura que cobria todo o seu corpo. Os seios firmes e volumosos, as nádegas macias , os cabelos castanhos sedosos. A cabeça de lado no travesseiro mostrava parte do rosto com o nariz
aquilino, o olho fechado e a boca de lábios carnudos que ela umedecia com a ponta da língua, entre um suspiro e outro do ressonar. Uma das mãos estava embaixo do travesseiro e a outra de unhas cortadas rentes – com a pele seca, áspera e maltratada revelando a origem de trabalho de quem mexe o tempo todo com tintas e massas de restauro – descansava ao lado do rosto.
O travesseiro ao lado ainda trazia a marca da cabeça dele. O aroma do vinho encorpado e as variações Goldberg impregnavam o ambiente. Era uma boa cena.
Uma fresta da cortina deixava passar uma leve brisa e a luz da tarde de outono baixando. Notou que o corpo dela estava arrepiado. Pegou uma manta e foi até a cama. Sentou-se ao seu lado, massageou lhe os ombros, apertou com leve força as costas da lombar até a cervical. Pressionou com os polegares de cima abaixo os músculos que protegem coluna e todas as vértebras, uma a
uma. Ela meio dormindo suspirava e gemia.
Cobriu-a com a manta, ela se virou na posição fetal, colocou a mão direita entre as pernas e a outra ao lado do rosto. Ele a abraçou forte, beijou o seu rosto e disse:
– Dorme, você ainda tem quarenta minutos.
– Bom… – balbuciou.
De volta à poltrona, à taça de vinho e à música de Bach, como um voyeur da natureza, assistiu o espetáculo da mudança de luz do cair da noite, na manta vermelha sobre Marion nua.
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LEONARDO FORTE (LÉO) – 73 anos, economista, publicitário aposentado, casado, dois filhos e uma neta. Apaixonado por cinema, literatura e música, escreve contos e promove encontros para ensino de jazz.
Lindo , como um poema, a bonita Marion.
A manta toca a mais bela e suave musica ao cair da tarde.
Gostei muito Leo.
Gostei muito, Leo: inspirada e suave, como a música que a acompanha!