Estava no saguão da galeria para o vernissage de um promissor jovem artista, quando ela entrou. Loura, magra, delicada, pele muito clara, uma perfeita “blond” da década de vinte. Pode-se dizer uma personagem de Gatsby.
Gotas da forte chuva que caía mancharam seu vestido azul de seda. Ela foi chegando ao grupo, meio tímida porém com passos firmes sobre seus delicados sapatos de salto alto vermelhos. Fui apresentado. Era uma artista plástica em início de carreira.
A chuva molhara seu cabelo e um pingo escorria pelo pescoço. Com os olhos fixos, fascinado, mergulhei naquela gota e fui descendo pelo seu colo, entrei pelo decote procurando caminho entre seus pequenos seios. Pude sentir sua pele macia, seu cheiro, visualizar a rosácea de seu peito, o bico. Absorvido pelo tecido virei mais uma mancha de água no vestido azul.
Enfeitiçados, meus olhos grudaram nela e não conseguiram mais desviar. Segui-a por toda a exposição. Por diversas vezes, quando parávamos para ver um quadro, nossos olhares cruzavam e rapidamente desviavam, ora ela, ora eu.
Na saída parou para cumprimentar a dona da galeria. Da pequena bolsa que carregava tirou e entregou um cartão, que foi deixado ao lado do livro de presença, enquanto a anfitriã a acompanhava até a saída. Fui até a mesa e como estivesse assinando, peguei-o e guardei no bolso sem que ninguém percebesse.
Sai apressado e na porta, enquanto esperávamos nossa condução, trocamos algumas palavras sobre a inesperada chuva. Quando o táxi chegou, nos despedimos e não sei bem porque disse em seu ouvido:
– Quando chover à tarde vou te ver.
Ela me olhou com cara de espanto e partiu.
O manobrista trouxe meu carro, olhei o endereço dela no cartão, era em um bairro próximo, resolvi ir até lá. Cheguei a tempo de vê-la descer do taxi. Estacionei em frente ao prédio, do outro lado da rua e fiquei aguardando.
O edifício tinha esquadrias grandes de alumínio com vidro do teto ao piso, entre cada pavimento. As luzes do segundo andar acenderam, a cortina e a janela de correr abriram um pouco. Ela apareceu, acendeu um cigarro, deu algumas tragadas, apagou e jogou no jardim abaixo, fechou tudo e a sala escureceu.
No dia seguinte choveu o dia todo. Às cinco horas peguei uma capa um chapéu e fui até a esquina da casa dela. A chuva apertou. Pelo celular, liguei pra ela e assim que atendeu falei:
– Como te disse ontem, com a chuva, vim te ver.
Desliguei e fui pra frente do prédio dela. Parei na chuva e fiquei olhando para o segundo andar.
Depois de algum tempo a cortina entreabriu e ela apareceu de penhoar vermelho, abriu a janela de vidro acendeu um cigarro, cruzou um dos braços e enquanto fumava ficou me olhando fixo.
Durante toda semana choveu à tarde, pancadas fortes seguidas de chuvinha fina. Repetíamos o ritual. Todos os dias o mesmo penhoar vermelho e o olhar fixo como querendo dizer alguma coisa.
Não podia mais passar sem aquilo. Na semana seguinte o tempo abriu, muito sol e calor. Fiquei desesperado, via todas as previsões de tempo, queria uma chuvinha por pequena que fosse, para poder ir vê-la.
Finalmente o tempo mudou e a chuva voltou. À tarde peguei a capa, o chapéu e corri para o encontro.
Da esquina liguei e falei o de sempre:
– Com a chuva, vim te ver.
Desta vez ela demorou um pouco mais para aparecer na janela. O mesmo penhoar vermelho o cigarro, a fumaça o braço cruzado e o mesmo olhar. A chuva apertou. Só eu na rua deserta, olhando aquela janela.
Quando ela jogou o cigarro, pensei: por hoje acabou. Porém ela acendeu outro, abriu o penhoar e deixou o lado esquerdo todo aberto mostrando metade do corpo nu. Fascinado observei os contornos visíveis do seu corpo, perna, quadril, virilha, seio e o rosto enigmático. Ela fumava séria.
O que era aquilo, um prêmio?
Quando terminou o segundo cigarro jogou-o fora, fechou o vidro da janela, abriu o penhoar e o soltou no chão. Completamente nua grudou o seu corpo no vidro da esquadria, como um carimbo. Depois de alguns segundos se afastou e fechou a cortina.
Estupefato fiquei ainda um bom tempo na chuva.
Durante mais alguns dias não choveu. Como um flagelado, observava o céu constantemente, procurando uma nuvem carregada.
Finalmente ela chegou forte, pesada. No horário de sempre. Peguei a capa e o chapéu e corri para a esquina de onde telefonava e liguei.
O telefone desta vez tocou mais que das outras e de repente uma voz atendeu dizendo:
“Telefônica informa: este telefone não existe, verifique o número discado e tente novamente”.
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LEONARDO FORTE (LÉO) – 73 anos, economista, publicitário aposentado, casado, dois filhos e uma neta. Apaixonado por cinema, literatura e música, escreve contos e promove encontros para ensino de jazz.
Léo! Chuva forte.
O melhor conto!
Muito bom!
Do início ao fim.
Criou-se um campo elétrico erotizado.
Senao, vejamos!
“Mergulhei naquela gota e fui descendo pelo colo, entrei pelo decote”… “Absorvido pelo tecido”…
Final glorioso!
Leo, cenas de um filme, erótico e perverso em cada detalhe! Estampar o corpo no vidro é um achado. Vi tudo, acompanhei o desejo do homem a cada dia, torcendo para que não parasse de chover.
Concordo com o Sergio: seu melhor conto!