Noite Longa,
por Léo Forte

 

 

 

O táxi corria na madrugada vazia. 

Ele se perguntava, olhando o encontro das luzes dos dois faróis do carro: por que essas ruas e avenidas longe do centro são tão escuras?

Não dá pra ver quase nada. Também, não tem nada interessante nessas laterais. Bairros desinteressantes, só casas iguais, de pessoas com trabalhos e vidas iguais. Logo estarão se levantando, mal-humoradas, preocupadas com contas, empregos, mulheres, filhos, família. Vida modorrenta.

Eu não. Eu sou à noite, adoro a madrugada, seu cheiro, o lusco-fusco. Quando chove e tudo fica molhado e úmido, melhor ainda. Com garoa então, nem se fale. Poucos andando nas ruas, encolhidos, meio perdidos sem saber se correm ou não, gosto de  observá-los.

Acho que sou meio louco. Saio quase toda noite e acabo sempre bem longe da casa. Loucura ir naquele bar lá no fim do mundo, atrás desta dona que acabou não rendendo. Mas valeu, a bebida era boa, ela cantava bem, veio na mesa, me fez companhia, me tratou como amigo. Tentei encostar meu joelho no dela, ela tirou e me olhou de um jeito que ainda não sei bem como interpretar. Recriminação, surpresa, aceitação? O que seria? Em seguida chegou aquele sujeito que nitidamente a domina. Ela me apresentou como a pessoa da agência de propaganda que pode contratá-la para um show em uma convenção. O cara foi simpático. Talvez eu a contrate.

Ainda com os olhos fixos no encontro das luzes dos dois faróis do carro, espremido no banco da frente naquele táxi-mirim – fusca adaptado, ouvindo o barulho do taxímetro medindo tempo quase a compasso, o som da música brega e dos pneus nas poças de água. O cheiro pós-chuva e a madrugada já indo para o fim. Adorava aquilo.

Com certo mal-estar, soltou o colarinho e falou:

– Puxa, como está apertado aqui.

– Pode por o banco todo pra trás, disse o motorista.

O táxi rodava, desconhecidas ruas e vielas passavam, se perguntou: o que me atrai tanto nesta cidade?  À noite, sempre à noite. Sou a cidade, parte da noite, sou a madrugada, pensou, achando engraçado. Lembrou dos velhos tempos de dureza e das longas caminhadas noturnas pelo centro. Velho hábito.  

– Posso fumar? Aceita um? disse o motorista.

– É claro. Vou aceitar, respondeu.

Acendeu , deu duas tragadas, uma terceira maior e de repente sentiu certa pressão no peito que foi aumentando aos poucos. Que cigarro forte esse cara fuma, pensou. Aproveitou a luz de um poste de passagem, para ver a marca. Era boa, uma das que já fumara. Jogou pela janela do quebra vento e procurou relaxar no banco apertado, pois a pressão no peito aumentava, aumentava, seguida de um formigamento e de dor no braço esquerdo.

Há algum tempo havia visto a foto de uma águia em um galho de árvore e o que mais chamou a sua atenção foram os pés escamosos, com garras fortes, e as unhas grandes afiadas que demonstravam firme pegada. Aquela imagem nunca lhe saiu da cabeça.

Agora parecia que aquelas duas garras apertavam tudo lá dentro de seu peito, provocando um dor constante, sem aqueles altos e baixos tão comuns.

Quase sem respirar, deitou o banco o mais que pode. Pegou na carteira umas notas, deu para o motorista e disse:

– Isso paga a corrida, estou mal, me leva para o pronto-socorro mais próximo.

Pediu para desligar o rádio, procurou relaxar. A dor cada vez mais intensa, os barulhos: do táxi rodando, taxímetro, rodas nas poças de água, outros carros, sirenes tocando.

Precisava continuar ouvindo a cidade, precisava se ouvir.  

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LEONARDO FORTE (LÉO) – 73 anos, economista, publicitário aposentado, casado, dois filhos e uma neta. Apaixonado por cinema, literatura e música, escreve contos e promove encontros para ensino de jazz.

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