O afável vendedor de vassouras, por Liliana Wahba

 

 

 

Passava ele de porta em porta com suas vassouras há anos e, quando alguém abria uma brecha no cronômetro do cotidiano, apreciava uma prosa.

Um senhor simpático, de sorriso bondoso, corpo marcado pelos anos de labuta, ia pelas ruas carregando suas vassouras em sol e chuva. O episódio a seguir se deu em um dia comum, em uma rua de região bem abastecida da cidade. Foi atendido no portão da casa por uma mulher, a proprietária.

Ela estava disponível e o conhecia há muito tempo; na maior parte das vezes, entre um afazer e outro, era atendido pela moça que ali trabalhava. A conversa se deu mais ou menos da seguinte forma – abreviando as falas.

– Bom dia! Sim hoje vou comprar duas dessas de piaçava que não tem mais no supermercado; o senhor deseja uma água?

– Muito obrigada, me ofereceram na casa abaixo. A senhora sabe comprar e sabe o que a moça que aqui trabalha gosta de usar, ela está bem? Não a tenho visto.

– Sim, foi cuidar da mãe no interior, e deve retornar logo. Mas eu também uso, não pense que não varro a casa e o quintal.

– Eu sou pobre, mas reconheço a boa educação, certa vez uma senhora me deu carona até o hospital e, como me preocupei de sujar o carro, ela disse que tinha posses, mas o corpo de todos é igual e me convidou a entrar com as vassouras. Senhora de bem ela…

– De fato, nascemos e morremos iguais, não é? O que importa são os valores de cada um, respondeu a mulher já pensando em encerrar a conversa, ainda que apreciando aquele momento despojado.

–  A moça que trabalha aqui é muito educada e gentil e a senhora também. Desculpe tomar seu tempo. Veja, há pouco fui tocar a campainha em uma casa e a mulher lá de cima da janela olhou e me fez sinal de ir embora, que não queria comprar nada, e ficou em vigília.

– Ah, porque não o conhecia talvez.

– Eu, um perigo para ela? Lá de baixo acenei e disse em voz alta: a senhora pensa que é melhor do que eu? Tem medo de mim que sou uma pessoa honesta?

– Ninguém deve se achar superior por causa de posição social.

– Pois é, tem quem se considere superior com o direito de humilhar. E continuei a dizer à mulher – falando com o mesmo sorriso, agora um tanto maldoso – : Pensa que está protegida ali em cima? Não sabe que há bandidos que entram em qualquer lugar? Não sabe que eles rendem a família, o marido, espancam os filhos e estupram a mulher na frente de todos? Não sabe disso?! E tem medo de mim?

– Bem, meu bom senhor, prazer em conversar consigo, tenha sorte e vá com Deus.

– Até a próxima, gentil senhora.

Ela ficou com uma estranha sensação, sem ter certeza se fora um encontro aprazível entre pessoas de distintos níveis sociais, mas igualmente humanas, ou se devia se benzer para não ser alvo de profecias enraivecidas. Saravá!

 

LILIANA LIVIANO WAHBA – Psicanalista junguiana. Profa Dra da PUC-SP. Diretora de Psicologia da Associação Ser em Cena – Teatro de Afásicos. Autora de Camille Claudel: Criação e Loucura.

Um comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *