Desejo,
por Sylvia Loeb


 

 

Pernas fortes que trepavam em árvores, pulavam muros. Parecia moleque, o peito chato arfava de tanto correr, brincava de polícia e ladrão, esconde-esconde na rua escura, junto com os garotos da vizinhança.

Cresceu magra, os peitinhos começaram a brotar, um dia pararam de se desenvolver, ficou triste. As amigas já usavam sutiã, ela não. Fingiu não se importar, mas chorava escondido, punha enchimento no sutiã grande demais. O peito, uma tábua.

Começou a sentir uma espécie de vazio, depois um calorão que subia pelo corpo, espalhava pela barriga, tontura e zoeira. Um dia, sem nenhum aviso, sangrou perninhas abaixo. Não tinha se machucado nem caído, nada doía. A mãe, envergonhada, explicou.

Os peitinhos encruados, ela não conseguia pensar em mais nada, a não ser nos seios redondos das amigas. O tempo passou e ela passou a vida desejando peitos grandes, que só cresceram quando amamentou sua única filha. Foi quando, pela primeira vez, teve os seios do tamanho de seus sonhos. Imensos, redondos, generosos. Ficava aflita, no entanto, com a filha mamando, achava que iam esvaziar, que ficariam murchos novamente. Tal e qual.

Quis operar, colocar 300 ml de silicone, o marido nunca deixou, que é isso mulher, ficou louca, pra que peitos grandes, quer arrumar homem? Não, dizia ela, é só um gosto, um desejo, um prazer, um capricho.

Aos 80 anos, depois de enviuvar, fez plástica, colocou seios imensos, redondos.

Sabia da admiração que causaria quando fosse enterrada no caixão, forrado de cetim branco, vestida com sua blusa de renda justa comprada especialmente para a ocasião.

 

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SYLVIA LOEB – É psicanalista e escritora. Visite seu site, acesse sua página no Facebook ou escreva para o email [email protected]!

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