A peça Andai, Duck – de Sergio Zlotnic me surpreendeu, espetáculo que compreendi como fruto das experiências, experimentações, pesquisas e publicações do autor, sendo oferecida ao público que a assiste para dela participar, como se no palco, atuando com os atores.
Diz Liliana Whaba, “duck/pato – figura que não povoa nossas mitologias – se transforma em psicopompo, aquele que transita entre o mundo dos vivos e dos mortos.”. Duck/pato figura mitológica criada por Sergio, agora transita/habita aqui entre nós.
A peça trata da morte de Duck e sua ressuscitação, palavra que Zlotnic prefere a ressurreição. Jesus era judeu, e quando ressuscitava pessoas falava: “Levantai e andai”. Andai, Duck – tratou de minha alma, e me trouxe alegria de criança, na peça, morri e ressuscitei. A peça trata da morte e ressuscitação de cada espectador, de cada e de todo ser humano. Mortais, morremos e ressuscitamos não apenas uma vez, mas todos os dias.
Nesta peça Zlotnic trabalha com a palavra, com língua materna, “E o homem criou a linguagem, por falta de assunto.”. E continua criando no dia a dia, na poesia, no teatro, outros. Como mostra a peça – feita de palavras e memórias primordiais – língua materna possui verticalidade, não é discursiva nem linear. Engloba a palavra dita, e a palavra engasgada. Língua materna não é a arte nem a poesia, mas como a poesia, não se submete às regras gramaticais da linguagem discursiva. Sou mineira, e me espantei ao ver as palavras:
MINAS
GERAIS
COISA
entre outras palavras escritas verticalmente uma sob a outra, em um dos cartazes que iam sendo abertos, fechados e seguidos por outros cartazes no palco, no decorrer da peça, para a curiosidade do espectador.
Pergunte aos mineiros o que significa a palavra COISA. Você vai receber olhares espantados e sem respostas, porque ninguém nunca contou, e ninguém nunca perguntou o que seria COISA. De meu lugar na plateia e no palco, pois me sentia no palco, liguei Sergio e os outros atores a Minas Gerais, para mim, lugar da língua materna por excelência, embora saiba/sinta que língua materna está em cada um de nós, e a cada momento, sendo a pátria de cada poeta, em qualquer lugar do mundo, e em todos os idiomas falados em nosso planeta. E neste momento acabo de me lembrar da sonoridade de outros idiomas (língua materna) na encenação da peça, além do português, através do ator Sergio Zlotnic lendo um papel em inglês, e ao que me pareceu, também em alemão. Tal como dito na peça – Andai, Duck coloca a palavra (poesia) em cenografia, encena a palavra.
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ELIANE ACCIOLY – É psicanalista e artista. “Aprendiz. Vivo os intervalos. Viver é surpreendente. Em certa pequena medida criamos nossas vidas. Não posso mudar o mundo, mas parcelas da vida e do mundo sim.”
Adorei! [mas sou suspeito! hahah].
especialmente gostei da ideia da língua materna como LUGAR – e como ‘a pátria de cada poeta’.
coisa linda!
Como está bem escrito e compreensível. Obrigada pela clareza. vi a peça e posso garantir a sua percepção principal: fui criada em lingua alemã. É um lugar de pertencimento, digo a lingua falada, escrita e ouvida. É um mundo tátil dentro da gente.
ela é musica sempre que penso nela – em alemao!
Eliane Accioly, thanks!And thanks for sharing your great posts every week!