Restaurantes são lugares comuns. Espaços nos quais pessoas que não se conhecem dividem o mesmo cardápio. Sentimo-nos como na sala de jantar da nossa casa onde a família degusta o mesmo tempero em torno da mesa. No restaurante é de mau gosto brigar, o que, em família, é costumeiro, para o bem ou para o mal. Em geral os clientes mastigam de boca fechada, limpam a boca com guardanapo, bebem aos pequenos goles, hábitos que, na intimidade do lar, muitas das vezes, descartamos a título do “em casa pode”!
Já limpei minha boca com a barra da toalha de mesa, tomei água geladinha a goles tão grandes que, ao seguir seu caminho, ouvi a deglutição chegar ao estômago. Tem coisa melhor do que mastigar de boca aberta quando os dentes não conseguem picar a carne dura? (Este foi o jeito que encontrei para sentir-me ainda mais próxima da minha cachorra Lola!).
Em restaurantes sentimo-nos mais constrangidos, em contrapartida, próximos de pessoas e não de cachorros, aconchegados aos amigos, cada um contando uma história engraçada ou desgraçada. No restaurante é onde cada um congrega o melhor de si. Em locais públicos rir gostoso e alto também não é de bom tom, mas ouvir uma história inédita, não há nada melhor para repor o humano em nós.
Foi Margarida , sentada à minha frente, que contou esta que segue :
Margarida se levanta da mesa um tanto afobada e diz que sua prima havia acabado de entrar, verdade que um pouco claudicante. Conversa um instante com ela, volta à nossa mesa e desenrola o enredo do encontro. De início, a razão de apontar para sua prima e levantar-se já nos faz rir; ela vinha de um restaurante em frente ao nosso em busca de um banheiro porque no dela este se encontrava no segundo andar e a prima tinha dificuldades em subir as escadas. A prima sai aliviada e volta para o restaurante vizinho, Margarida continua a história.
A mãe da prima (63) tem 92 anos e desde que ficou viúva aos 80 busca na internet um par perfeito. Encontrou alguns, saiu com todos, mas nada duradouro até este momento em que minha amiga explica que no restaurante vizinho estão reunidos o seu primo, filho (65) e netos respectivos para conhecerem o recém encontrado companheiro da mãe.
Neste ponto fiquei curiosíssima para saber a razão deste jantar num restaurante onde o banheiro fica no segundo andar. A resposta veio a seguir arrancando risos incrédulos: a mãe da prima de 92 anos declarou, no site do ”encontre o seu par perfeito”, ter apenas 72 anos. Hilário!
Prosseguindo no seu relato, Margarida conta que um senhor da mesma idade do filho da namorada, 65 anos, mordeu a isca. Largamos garfo e faca e com um sorriso próximo a se deslanchar em risada.
A senhora de 92 anos, agora 20 anos mais moça, atende o pedido dos filhos e netos (adultos) que queriam conhecer o pretendente e certificar-se de que não era um aventureiro caçador de baús ou mesmo um gigolô.
Nenhuma da pessoas na mesa se constrangeu ao cair em uma gargalhada dignamente autêntica. Porém eu quis saber sobre os detalhes íntimos do casal, mas Margarida, para minha frustração, desconhecia .
Pedi para ela não esquecer de me contar o seguimento desta maravilhosa história humana no âmbito da intimidade escancarada da internet que ainda não é capaz de decifrar que idade têm as rugas no pescoço e a pelanca embaixo do braço, o bigode chinês, o código de barras acima dos lábios.
Gostaria aos 92 anos de ser como a mãe da prima de Margarida. Ousada, entregadora da vida que carrega como se 72 anos tivesse. Isso sim é de hoje, aqui e agora. Os filhos e netos é que são do século passado!
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BETTINA LENCI – Uma empresária que se realizou tendo como início profissional a história da arte e a fotografia, mas que, posteriormente, descobriu que lendo e escrevendo é possível criar um mundo com um olhar agudo sobre o cotidiano de todos nós.
Meu pai casou-se, pela última vez, aos 86 anos, com uma mulher de 68, com quem viveu feliz os últimos dez anos de vida.
A vida pode ser bela.
Bettina! adorei!