Meu corpo, por Sylvia Loeb, do Clube dos Escritores 50+


 

 

Meu corpo é uma tela, sou uma artista, desde pequena sei disso. Minha pele é uma manta branca, própria para ser pintada. Mancha branca?! – Larga de ser boba menina! Então, parei de falar. Mas é sim, uma superfície branca. Para que serve tanta pele, se não for para desenhar? Elástica, melhor que papel, melhor que tecido.  

Cheia de mistérios, o vermelho muda de tom, as cores se transformam.  Minha pele não aceita  cor pura. Para atingir o vermelho forte,  tenho que misturar vários tons até chegar lá. É a cor do sangue que procuro, sangue da vida, sangue da morte.

Comecei com caneta esferográfica azul, vermelha e verde, só existiam essas cores, agora tem mais,  mas saía no banho, o que era  bom, pois assim inventava sempre um novo desenho, uma palavra diferente,  palavras que tinham cor. Pirilamba  é verde, amontãtã é vermelho vinho, depois cansei das palavras e fiquei apenas nos desenhos, quando achei que queria uma pintura permanente.

A primeira tatuagem fiz escondida debaixo da roupa, na virilha, doeu muito, depois esqueci da dor porque a cobra que começou a morar lá é maravilhosa, está lá até hoje, cresceu, encorpou, engordou, uma beleza. Em seguida, uma aranha embaixo do braço, nas axilas, azul, cheia de pernas; atrás de uma orelha, um besouro prateado, atrás da outra, um filhote de beija flor turquesa, só falta cantar; entre os dedos dos pés, pequenas formigas verdes, combinam com o esmalte vermelho que uso hoje em dia.

Minha mãe fecha os olhos quando me vê, desnuda, desfilando minha obra sempre inacabada; meu pai põe óculos escuros, imagino que para esconder que está de olhos bem abertos; meu irmão não fala comigo há tempos, diz que não me reconhece. As pessoas, na rua, me olham espantadas ou encantadas. Para as encantadas, sorrio, para as espantadas, estou me lixando.

Arte é assunto controvertido, não vou discutir o que é arte.

A minha é a de abrigar a obra prima que vai comigo para onde vou.

Está começando a nascer uma sereia azul na perna direita. A cauda já está lá, longa, cheia de escamas douradas. Azul e ouro, um luxo.

O corpo dela vai subir pelo meu ventre, obedecendo às curvas do meu, passar pela cintura, alongar-se pelo tórax; a cabeça vai pousar no meu peito, onde seus cabelos vermelhos vão ser espalhar, vermelho de sangue, vermelho de morte, vermelho de vida.

Ainda não resolvi a cor dos olhos.

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SYLVIA LOEB – É psicanalista e escritora. Visite seu site, acesse sua página no Facebook ou escreva para o email [email protected]!

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