Publicado por Rubens Jardim, na 76ª POSTAGEM DA SÉRIE AS MULHERES POETAS, junho de 2016 (aqui)
_ Senhora dona Sancha
coberta de ouro e prata
na infância da língua
eras uma rainha
_ Que anjos me rodam?
Ando velha e medrosa
não mais toco o piano
sinfonias não componho
_ Senhora dona Sancha,
silhuetas, sombras
vestidas de branco
guardiões de vossos sonhos,
dispensamos ouro e prata
mal nunca vos faremos
_ Estou velha
bem velhinha
tenho medo de morrer
_ Medo? Pois pois,
por que medo?
por que medo?
Se no vosso coração
canta uma menina
com quem brincamos de roda?
Dona Sancha
nossa senhora,
vos espantastes a morte
como se espanta galinhas,
shô morte, shô
_ É verdade, é verdade,
shô morte, shô
Para os prados partirei
cavalgando meu cavalo
Sobre a cama da fazenda
me aguarda o vestido
feito na minha medida
Anjos meus por onde andais?
Senti algum calafrio
_ Sombras vestidas de branco
somos a infância da língua
somos vossos guardiões
Vosso medo espantamos
com histórias que contamos
_ Anjos, brancas silhuetas
segurem a minha mão
e dormirei sossegada
para acordar na fazenda
onde me aguarda azul
o vestido, nos braços
de meu namorado
Segurem a minha mão
como minha mãe segurava
quando eu ia ao dentista
Shô, morte shô
montada no meu cavalo
espanto muitas galinhas
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ELIANE ACCIOLY – É psicanalista e artista. “Aprendiz. Vivo os intervalos. Viver é surpreendente. Em certa pequena medida criamos nossas vidas. Não posso mudar o mundo, mas parcelas da vida e do mundo sim.”
Na infância da língua, eras rainha, rodeada de anjos brancos. Na infância da lingua os guardiões protegem a menina, que pode cavalgar no seu cavalo para encontar o namorado. Que lindo modo de nos contar a morte, o encontro da velha com a menina, na infância da lingua, na beleza da linguagem.