O primeiro foi de nascer.
Depois veio o medo dos grandes escuros: o breu da mata e o mar sem lua. A noite em mim.
Aí, então, vieram os medos outros. Todos íntimos e personalíssimos, pois medo é feito sonho, matéria de espelhos e sombras só nossas.
Medo de lagartixa, de alma penada, da imagem do Senhor Morto ensanguentado com peruca de cabelo humano. Medo de carreira de doido, de coice de jegue, de peral. Medo de ter bigode, bócio, filho xifópago.
Medo de tarado, de cólica, de engravidar da tampa da privada. Medo de morrer virgem, morrer de amor, de tristeza, de desgosto.
Medo de ter morte pública. “Morrer na contramão atrapalhando o trânsito”, aparecer no Jornal Nacional, cair no poço do elevador do prédio, aparecer afogada na praia com os olhos comidos por siris, ser filmada por um cinegrafista amador na hora exata em que a enxurrada me levar.
Medo de morrer sozinha caída no banheiro numa sexta feira, véspera de feriado.
Medo de esquecer quem eu sou e dos nomes de quem eu amo. Medo de não sentir saudade de nada. Medo de que minha alma se vá antes de mim.
E dos vermes que me comerão e da promiscuidade das minhas cinzas misturadas a de estranhos? Medo nenhum, só uma lucidez orgânica, entre o vegetal e o mineral.
Medo é para os vivos.
Nasci Maria Hilda Kruschewsky Lucas, em Ilhéus, Bahia, em 1954. Tempo, espaço e genética.
Essa é minha espinha dorsal, o resto são minhas circunstâncias. Advogada, mãe,escritora. Mudei muitas vezes, sou muitos lugares, sou muitas. A escrita é a casa dentro de mim.
Simplesmente maravilhoso como sempre Hilda.
Belíssimo o seu texto. Paravéns Maria Hilda!
Quantos medos temos!
A vida não é para quem tem medo, já dizia, de forma mais bonita, Guimarães Rosa.