Ele fitava a xícara de café, cabeça baixa. Não olhava para ninguém. Não havia mesa disponível. Posso sentar, o senhor se incomoda? Olhou-me rapidamente, voltou a encarar a xícara de café. Claro. Difícil de abordar, muito fechado. Parecia que morava sozinho, roupa desleixada, camisa encardida, sapatos cambaios, barba por fazer. Pedi um café, demorei para ver se conseguia contato, nada. Resolvi ir embora. Obrigada por me deixar sentar aqui. Nem levantou os olhos.
Voltei no dia seguinte à mesma hora, lá estava ele, outro café, o mesmo desamparo. Arrisquei um alô! Olhou para mim, não pareceu me reconhecer. Sentei ontem na sua mesa, lembra? Voltou a encarar a xícara vazia.
O homem me intrigava. Atraente, apesar do desleixo. Teria sido abandonado pela mulher? Perdera o emprego? Estava doente? Boa tarde! Como vai? arrisquei. Não respondeu.
Mais cinco dias. Como vai? O homem olhou diretamente no meu rosto. Sorriu.
– O que você quer de mim?
– Bem, sou psicanalista e escritora e estou…
– Pensa que não a vi me rondando todos esses dias? No primeiro, porque não tinha lugar, hum… poderia ter ido embora, mas resolveu sentar em minha mesa. A voz era harmoniosa, o sorriso, aberto.
– Achei que poderíamos conversar.
– Nos outros dias, me rondando sem motivo algum, agora novamente.
– Como eu ia dizendo…
– O que deseja? Ter um caso? Cafés são bons lugares para encontrar homens e mulheres disponíveis.
– Não, o senhor está enganado!
– Aqui você tem um homem disponível. Quer um encontro? Está muito sozinha, foi abandonada pelo namorado, pelo marido, pelo amante?
– Não, não! O senhor está enganado, eu só…
– Você não me engana. Com esse ar de moça direita, todas têm esse arzinho, quer um encontro? Quer um encontro? Vamos lá. Levantou-se e veio chegando perto.
– O senhor está enganado, o senhor está enganado! Estendeu a mão, pegou na minha. Mão grudenta, fazia tempo que não lavava. Puxei a mão, ele deu risada.
– Conheço seu tipo, provoca depois foge.
– O senhor se enganou.
– Não me enganei, conheço seu tipo.
– O senhor pense o que quiser.
– Sim, penso o que quiser. Mudou de ideia? Ficou com medo? Não quer mais?
Peguei minhas coisas, fui saindo, tropecei em uma cadeira. Olhei pra trás.
Ele encarava a xícara de café.
Sylvia Loeb é psicanalista e escritora. Visite seu site em sylvialoeb.wordpress.com , acesse sua página no Facebook: SylviaLoeb_escritora ou escreva para o email [email protected]
Sylvia.
Que deliciosa personagem está surgindo a cada história. Crente, ingênua e desnorteada. Um achado (ou será que ainda não se achou?)! Um texto gostoso de ler. Que venha mais!
Oi Paulo, um achado ou uma perdida?
Quem sabe!
Tem mais, acho que sim.
Obrigada por me escrever.
Beijos,
Sylvia