Se ela não estivesse ali, naquela esquina, se não fosse meio-dia e treze e a professora de português não tivesse faltado, se estivesse chovendo, se ela tomasse um táxi, se o pipoqueiro puxasse conversa. Se ela estivesse com dor de barriga, se o telefone tocasse, se o sinal fechasse, se um ônibus bloqueasse o cruzamento, se uma bandeira do Flamengo fosse pendurada no poste, se ela se abaixasse para amarrar o tênis. Se ela estivesse com febre e faltasse à aula, se ela estivesse distraída e passasse do ponto, se ela estivesse namorando e parasse para beijar, se ela entrasse na banca para ver as revistas, se esquecesse da mochila e voltasse atrás, se resolvesse mudar o penteado e se atrasasse diante do espelho, se ela não fosse obediente e não se demorasse no caminho. Se a rua fosse menos barulhenta, e ela ouvisse o estampido, se não fosse dia, fosse noite, se não fosse ela, fosse outra, se não fosse tragédia, fosse mentira, se a notícia não chegasse feito um murro, se o sangue pelo menos corresse e não congelasse, se o tempo fosse suspenso, se a trajetória da bala fosse curva, se momentos antes a cidade fosse exterminada por uma bomba, um dilúvio, se ela tivesse fechado os olhos e não tivesse tido medo. Se não fosse um uivo, fosse só um grito, se não fosse uma amputação, fosse só dor, se não fosse para sempre, fosse pesadelo, se não fosse um parto às avessas, fosse só um oco no peito. Se não fosse verdade, fosse novela, se não fosse tão súbito, fosse lento, se não fosse a filha dela, fosse de outra. Se não fosse a cidade, fosse o inferno, se não fosse banal, fosse heroico, se não fosse no coração, fosse no ombro, se não fosse nela, fosse em mim. Se o pretérito não fosse imperfeito, se houvesse futuro. Se não fosse fato, fosse devaneio, se não fosse acaso, fosse destino, se não fosse estúpido e irrelevante, fosse grandioso, se não fosse crônica policial, fosse só literatura?
Nasci Maria Hilda Kruschewsky Lucas, em Ilhéus, Bahia, em 1954.
Tempo, espaço e genética.
Essa é minha espinha dorsal, o resto são minhas circunstâncias.
Advogada, mãe,escritora.
Mudei muitas vezes, sou muitos lugares, sou muitas.
A escrita é a casa dentro de mim.
Hilda, se não fosse você e fosse eu, se não fosse eu a ler agora e lesse depois de amanhã, se não estivesse frio e sim chovendo, se eu não tivesse que estudar um texto de Lacan, em qualquer dessas circunstâncias ou as mais que possamos inventar, eu acharia seu texto bom demais. Criativo, ritmado e malicioso: com um piparote na cabeça do leitor, preparado para mais uma desgraça, você nos joga para literatura. Um prazer!
Sylvia
Se não fosse sexta, se não fosse a greve, se não fosse a chuva, se Itu fosse ali na sua esquina e se não fosse Lacan fosse Jung eu passava aí pra tomar um café.
Beijo e bom fim de semana!
E se não fosse uma tristeza preguiçosa, se não fossem as ruas cheias, as calçadas esburacadas, se não fosse eu e fosse outra, se eu ainda acreditasse em fadas ou em monstros espreitando debaixo das camas, se fosse uma crônica policial e não literatura, e se a Hilda não tivesse tirado a Sylvia para dançar, e a Sylvia já tivesse terminado de ler Lacan e fosse apagar a luz, eu diria que essa é a ciranda melhor e mais provocativa do mundo! Não dá vontade de parar de imaginar ‘ses’…E se virar um vício, e nada mais for…de fato!
Obrigada Hilda!
Adorei te encontrar ontem! Se eu n tivesse ido lá, não teria te visto!
Mmo por 5 minutos foi bom Trocar meia dúzia de palavras c vc! Senão fosse isto n teria matado as saudades!!
Bjs
Ana Luíza
Que fluxo trágico! Dá até vertigem. Tudo dito pelo ao contrário! A estória contada assim!
Que coisa boa de se ter escrito! Poderia ser musicada? Pelo Léo!