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Nova tendência 2016: “Wazessexual”

Autor convidado: João Luiz Guimarães, jornalista, roteirista e escritor
Placa de bonde linha Desire de Nova Orleans, que inspirou o dramaturgo Tennessee Williams a escrever a peça "Um Bonde Chamado Desejo" (The Historic New Orleans Collection)
Placa de bonde linha Desire de Nova Orleans, que inspirou o dramaturgo Tennessee Williams a escrever a peça “Um Bonde Chamado Desejo” (The Historic New Orleans Collection)

Não, ainda não inventaram. Até onde sei, ainda não pensaram nisso. Dei uma procurada preventiva pelo Google e não encontrei nada. Talvez devesse patentear essa ideia antes de escrever sobre o assunto. Mas agora é tarde. Já comecei e o título já entregou o principal. Vamos em frente. Depois do Hetero e do Homo, do Metro, do Trans, do Multi, do Pan e do Pós, vem aí a nova geração: Wazessexual!

Explico.

A sexualidade humana é uma coisa muito complexa, sabemos. No restante do mundo natural, na maior parte do tempo, a função do sexo é apenas reprodutiva. Tudo bem que há algumas exceções, como os primatas bonobos, que adoram a coisa também por seus fins meramente recreativos. Mas aí não vale, o genoma deles é quase o mesmo que o nosso.

O fato é que dificilmente veremos um documentário da National Geographic sobre um jacaré onanista com tesão em roupas de couro, um Louva-a-Deus ateu com fetiche por crucifixos ou um camaleão transformista ninfomaníaco (que adore ser arremessado contra a parede e chamado de lagartixa).

Já humanos achamos quase normal uma lista de taras que vai da abstinência à zoofilia (só para ficar nos dois extremos da lista alfabética).

Contudo, mesmo com um cardápio tão extenso, na prática continuamos, em grande parte, famintos. Quanto desencontro “na cama, na lama, na grama…” (Peço desculpas pela súbita invasão do Gonzaguinha. Isso tem acontecido em meus textos com certa frequência e ainda não sei como evitar. Já me disseram que se persistirem os sintomas será preciso medicar).

Bem, retomando. Já se tornou clichê afirmar que sempre, em última instância, fazemos sexo com nós mesmos (mesmo quando acompanhados). E também de que sempre levamos muitas outras pessoas imaginárias para a nossa transa. O fato é que o desencontro de expectativas e de desempenhos costuma predominar na vida sexual de muita gente.

Mas não se desespere! Os seus problemas acabaram! Ser Wazessexual é a solução! É só baixar o aplicativo no smartphone mais próximo (de preferência o teu) e começar a usar!

Imagine poder escolher a voz de sua preferência (masculina ou feminina, por enquanto, na versão beta). A seguir, insira as coordenadas gerais de sua companhia erótica: gênero, altura, peso e outras medidas íntimas. Aí, coloque os fones de ouvido e é só esperar pela frase:

“Pronto. Vamos.”

É só relaxar e seguir as orientações.

“Atenção, sugiro não pular fase das preliminares. Mordiscar lóbulo da orelha e soprar levemente a nuca são altamente recomendáveis.

Sugiro trocar a playlist. O Gonzaguinha não tá rolando hoje. E, da próxima vez, invista mais no vinho tinto, ok?”

“Atenção, isso não é o clitóris. Mas não se preocupe, ele está bem próximo. Já estamos recalculando a rota.”

“Atenção, dimensões anunciadas anteriormente não conferem com o produto devidamente fora da embalagem. A peça íntima tinha enchimento. Feche os olhos e apele para a memória de dias mais felizes.”

“Atenção, discreta borboleta de Henna na virilha esquerda. Elogie. Contudo, cautela ao passar pela nádega direita. Restos mal apagados de tatuagem definitiva com nome de ex. Evite fazer qualquer comentário.”

“Atenção, zona erógena já se encontra excessivamente estimulada, favor diminuir intensidade ou mudar para o mamilo vizinho.”

“Atenção, o toque está prazeroso, a macro região está correta, mas ainda não chegamos ao ponto G. Mantenha o ritmo e a pressão. Avance um pouco mais.”

“Atenção, zona com restrições sanitárias. Para os olfatos mais sensíveis, aconselhamos respirar apenas pela boca, fazer um desvio suave e procurar zonas de menor risco. Ou sugerir uma ducha sensual a dois.”

Para os mais ousados:

“Atenção, o objeto proposto, com finalidade erótica, de um porco inflável besuntado com geleia de cupuaçu ainda não consta do meu repertório padrão. Mas esta é uma ferramenta colaborativa que pode ser aperfeiçoada por seus usuários. Você gostaria de melhorá-la adicionando mais algumas preferências específicas?”

Outros serviços poderiam ser adicionados. Para os monogâmicos apostólicos romanos, porém não praticantes, um aplicativo útil seria o georeferenciador:

“Atenção, parceiro oficial detectado no perímetro de exclusão. Você tem exatamente cinco minutos para se vestir e criar uma cena e um discurso convincentes.”

Já para os mais liberais e praticantes do poliamor e de reuniões animadas com múltiplos parceiros, um bom aplicativo seria o localizador de peças de vestuário:

“Atenção, sua cueca box com enchimento se encontra sobre a cúpula do abajur à esquerda do aquário da sala de estar. Já o scarpin direito de sua parceira está submerso no referido aquário junto ao castelo que solta bolhinhas. E bem ao lado da meia social do Adalberto da contabilidade. Quanto ao peixinho dourado, não se preocupe. Ele não está mais entre nós, mas foi por uma boa causa. Ele nos deu muito prazer.”

Mas para aqueles que insistem em misturar sexo com amor, carinho, respeito e outros complicadores, há aplicativos já em estado avançado de desenvolvimento.

“Atenção, esse “não” é não mesmo. Diferente daquele “não” de ontem que era, na verdade um “sim” que se esquecera de acontecer. O “não” de hoje é não mesmo e a insistência pode configurar violência doméstica, estupro e ofensa passível de B.O.”

“Atenção, momento ainda não propício ao “sexo para fazer as pazes”. Presença forte de mágoa e ressentimentos acumulados. Níveis baixos de oxitocina. Já refiz todos os cálculos e rotas. Será inevitável passar por uma D.R. antes de chegar ao objetivo.”

Por mais que a tecnologia avance, entretanto, uma coisa parece certa: não há mapas, GPS, nem instrumentos definitivos para orientar o tráfego desse bonde desgovernado chamado desejo.

Afinal, todos os caminhos são válidos quando a intenção é, justamente, a de se perder.

“Atenção, navegador reconfigurado para função randômica. Pronto. Vamos.”

XXXXX

JoaoLuizGuimaraes
João Luiz Guimarães é jornalista, roteirista e escritor

6 comentários

  1. Jota! Que maravilha de texto! Recheado das mais deliciosas bobagens [isso é um elogio, juro!]. do camaleão ao jacaré! Da abstinência à zoofilia! Lembrei do ‘fuck sex’, a turma daqueles que não gostam de sexo [isso existe!]. Não tenho aplicativos no meu celular. Mas já vou tratar de baixar esse que vc cria no crepúsculo do ano! Adorei! Outras conexões em breve: suas palavras levantaram uma poeira de pensamentos irrelevantes por aqui. Feliz 2016!

  2. Aplicativo genial. A propósito, o sujeito liga o app e manda um sms: “Tire um sono na rede
    Deixa a porta encostada
    Que o vento da madrugada
    Já me leva pra você. Espere por mim, morena, espere que e chego já…”
    🙂

  3. Sempre desconfiei que seu talento ia muito além do texto jornalístico, meu caro. Agora tenho absoluta certeza! Um prazer retomar contato.

  4. Ha! Rotas ardentemente calculadas! Dá pra viajar (sem fim) nas possibilidades de recursos… rota fácil, rápida….tempo para chegar ao destino… hahaha…
    Adorei, João!

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