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Rastros, reflexões sobre o envelhecimento, por Elisa Mariz 

Há inúmeras maneiras de viver a velhice. Uns a encaram com otimismo, assumindo as perdas. Outros tentam escondê-la. Os brasileiros com mais de 60 anos passam de 30 milhões, segundo o IBGE, e a tendência é que em 2030 haja mais idosos do que crianças e adolescentes.

O país está envelhecendo: é a manchete na mídia que atrai a atenção e nos desafia. Penso em mudar o conceito de velho e de velhice, carimbos usados nos que estão na última fase da existência. O projeto de vida da pessoa idosa deve ser revisado. Investir em atividades diferentes ou renovar as de outrora. Fazer novos cursos na área de atuação ou fora dela. Viver intensamente as emoções sem amarras sociais. É momento de protagonizar este marco histórico, mudar a imagem decadente, do idoso.

É tempo de resgatar a potência e de não temer o declínio físico e cognitivo, atenuado entre os que, ao longo da vida, nunca abandonaram o autocuidado. Começar a mudança pela família é uma boa estratégia, pois em muitos núcleos, ela é a primeira a desacreditar no potencial dos pais, avós, tios e parentes que estão saudáveis, potentes e ativos.

No século XX, a expectativa de vida humana aumentou em grande parte, graças aos avanços da ciência. No século XXI existem evidências de um novo estilo de vida nesse nicho, em que programas para corpo e mente são prioridades e estão incorporados ao dia a dia, diferente de modelos em que a rotina compreendia que o tempo era para o trabalho e descanso.  

Chega de viver do passado, da memória do que se foi. Muitos perderam a identidade porque eram conhecidos pelo que faziam, não pelo que eram. A nova e última fase da vida deve oferecer a oportunidade de dedicar tempo à lapidação do eu, de ser mais livre, de concluir projetos engavetados, criar novos, mostrar competência e destruir os estereótipos de seres incapazes e obsoletos.

A mudança de hábitos e estilo de vida das pessoas idosas leva a uma quebra de paradigma não apenas em seus comportamentos, mas na percepção das pessoas que ainda insistem em vê-los como indivíduos passivos e alheios aos fatos. Quanto mais tempo se vive, menos se vale, e a verdade é que viveremos cada vez mais. Elogiar pessoas idosas é dizer que elas nem aparentam ter a idade que têm.

É necessário que se amplie a consciência sobre a finitude da vida. Não podemos ter medo do fim. Devemos acordar os sentidos da letargia profunda e nos dedicar ao projeto de vida como um todo; viver a última etapa atentos a cada detalhe e protagonizar os momentos que restam.

A velhice é período de perdas e a ciência confirma que ser ativo nas várias dimensões da vida e cuidar da saúde as posterga. Ter consciência e responsabilidade com o bem-estar deve ser a missão de cada um e é o meio de fortalecer esse nicho que cresce de forma veloz. O compromisso vital se estende à sociedade e envolve os setores da saúde, da educação, da cultura, do transporte, da previdência e vários outros.

Com o número significativo de longevos ativos e integrados à sociedade, é hora de valorizar e reconhecer a importância deles e renovar o conceito de velho. Quebrar o estigma de indivíduo incapaz, limitado e obsoleto. Considerar as competências adquiridas e aprimoradas. Mudar a relação tradicional entre velhice e vulnerabilidade. Desfrutar a derradeira etapa da vida com menos egoísmo, mais consciência de si, serenidade e responsabilidade.

A finitude humana é inescapável e deve ser vivida com louvor, dedicação e realização, porque a pessoa velha, madura, com 60 ou 100 anos, acumula experiências e saberes que oxalá sejam disseminadas às novas gerações. Que os longevos se tornem visíveis e deixem rastros.

11 comentários

  1. Excelente e realista reflexão!
    Já foi o tempo que ao se aposentar a pessoa idosa declarava a sua morte em vida!
    Agora os mais de 60 descobriram que há tanta vida lá fora dentro deles, como uma onda no mar, citando a canção de Lulu Santsos.
    Mais do que nunca não somos idosos, somos pessoas dotadas de grandes e variadas experiências!
    A autora Eliza Mariz foi bem profunda no assunto finitude.
    Parabéns!

  2. Texto maravilhoso e muito bem escrito, realmente temos que usufruir com qualidade de vida nos atualizando intelectualmente e fisicamente ”Mente Sana in Corpore Sano”.Fraterno abraço!

  3. Gostei da proposta. Gostaria de participar. Acho que na velhice o grupo de amigos e/ou afins é fundamental. Como escritora, sou leitora também e a literatura, juntamente com as atividades que a cercam, são fundamentais ness fase da vida. Obrigada por entrarem em contato. Vamos participar. Abs a todos. Sandra Schamas

  4. Com clareza e lucidez Elisa Mariz expõe a realidade da população idosa brasileira que deixou de ser um estorvo pra família, que deve ser confinada ao quartinho dos fundos como um móvel velho, citando Pedro Paulo Monteiro, para ser o dono do próprio destino. Parabéns Elisa

  5. Que reflexão realista é mais que bem vinda em nossas vidas!!!
    “Viver intensamente as emoções sem amarras sóciais, sem ter essa imagem decadente dos idosos”
    Nós os idosos assim como todos não devemos abandonar os autocuidados, tanto do corpo, mente e espiritualidade!!! Parabéns escritora Elisa Mariz.

  6. Meus cumprimentos a autora que foi muito objetiva e concisa na proposta de trazer um olhar sempre atual à velhice, que precisa ser dissociada da inatividade. Enquanto temos fôlego e ainda respiramos há muito o que viver e contribuir, evidentemente sem quaisquer comparações, simplesmente deixar o corpo a mente e o espírito irem…

  7. Bem consistente e fundamentado. Um longevo pode muito e ter essa consciência direciona suas ações.
    Importante reflexão que merece aplausos.

  8. A autora nos remete a 2 importantes reflexões; em primeiro plano a nós mesmos com os cuidados pessoais e atividades no nosso passar do tempo e simultaneamente com os cuidados com nossos familiares e amigos na questão da longevidade. O artigo em si é mais um grande alerta a todos nós; independentemente, da faixa etária que nos encontramos. Lembro uma frase da minha falecida mãe onde ela falava “filho, todo velho já foi moço e todo moço já foi criança”. A Eliza nos traz um olhar de que em muitas das vezes esquecemos de nós mesmos e de uma forma brilhante, com leveza e uma linguagem clara alerta para a importância de cuidarmos da nossa saúde física, mental e espiritual.

  9. Falarei como idosa que sou:
    Reconhecer nossas forças e limites é muito bom. Fazer funcionar nossa vontade contra máquina que nos aniquila como seres produtivos é outra.
    Depois de dedicar minha vida executando trabalhos e cuidando de pessoas, tenho me sentido esmagada e diminuída. Enxergo os olhares condescendentes dos jovens: “que bonitinha”!
    Parabéns Elisa Mariz, você escreveu bem, mas apesar de eu não temer o meu fim, a minha angústia em fazer parte do momento, continua.

  10. Texto onde sinto-me incluída em cada linha .
    Excelente.
    Mudar o olhar para alguém de 60 ou mais é o desafio para as gerações anteriores a nossa, por se tratar de um viés cultural.
    E não podemos deixar a curiosidade mover novas descobertas e emoções neste universo infinito.
    Viver com emoção deve ser nosso propósito!
    Parabéns, Maria Elisa!

  11. Reflexão muito importante, pois com o aumento da expectativa de vida, cada vez mais os idosos estão se cuidando e se integrando na sociedade em diversas áreas. Embora ainda haja muito preconceito, a mudança é perceptível e deve ser permanente no sentido de uma melhora cada vez maior na qualidade de vida desses idosos.

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