“Quando temos 1 [hum] problema, contratamos advogados. Em seguida [ato contínuo], percebemos que são 2 [dois] os nossos problemas…”.
Foi o que eu disse no passado remoto – e a todos soei muito sábio.
Como toda regra tem exceção, anos mais tarde, enroscado num grande quiproquó [já faz tempo, mas me lembro bem], encontrei um advogado de excelência. O suprassumo.
Devido ao tamanho do enrosco, naquela ocasião, pedi que ele fosse 5 em 1 [cinco em hum]: 1- advogado [claro]; 2- rabino; 3- macumbeiro; 4- psicanalista; e, 5- leão de chácara.
Ele topou – e foi tudo isso. Que homem plural! Viva Ele!
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Donde decorre que, agora, feita a exceção em nome da justiça, posso tranquilamente discorrer sobre a relação estapafúrdia entre ‘advocacia pífia e adjetivos úmidos’, meu tema de hoje.
Por que raios eles [os advogados] põem adjetivos em todas as peças jurídicas? Imaginam que têm inclinação à literatura? Pensam que são poetas tuberculosos? Acreditam que as grandes obras da humanidade ganham potência com adjetivos? [quando, sabemos, é justamente o contrário o que se verifica].
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Pois. Recentemente, de novo, vigésima vez, recorri aos formados em direito [honoris causa e notório saber]: fui prejudicado por um banco de finanças, que lavou as mãos, num caso de fraude de que fui vítima.
Ok. Muito que bem.
Gostei de ter sido roubado? Claro que não! Porém, quando a polícia me pediu pra relatar o ocorrido, fui sucinto. Ser objetivo é o que me parecia importar: elencar fatos com sangue frio.
Baseados em meu relato ao delegado, os advogados também fizeram um texto [montaram a tal ‘peça’, como eles dizem]. Ali, no texto deles, a atmosfera era apelativa [em altíssimo grau]. Ressuscitaram Gil Gomes dos anos 70. Senão, vejamos [repiso a letra do Doutor em direito penal – e procedo a breve exegese].
Diz ele:
“No dia seguinte, ao deparar-se com seu extrato bancário, meu cliente, surpreso, deu-se conta de um rombo” [sic].
Digo eu: ‘Surpreso’? Por que? E se, no dia seguinte, não me surpreendi? Não mereço ser ressarcido?
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E os adjetivos seguem, impávidos. Recorto ao léu:
– Foi quando meu Estarrecido cliente fez boletim de ocorrência.
– Angustiado, telefonou ao banco.
– Aflito, me procurou.
– Boquiaberto, aguardou resposta da instituição [que não veio].
– Incrédulo, tentou uma segunda vez. Em vão.
– Desamparado, descobriu-se sem saída [hilflosigkeit].
– Receoso, decidiu pedir abrigo jurídico.
– Devastado, chegou ao meu escritório.
– Cabisbaixo, contou-me o malfeito.
– Exausto, me olhava com comovente brilho de esperança.
– Urinado, aliviou-se com minhas palavras.
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Em minha defesa, juro que nenhum desses adjetivos traduz meu estado de alma. Apenas achei injusto o golpe da fraude [somado às burocracias bancárias] – e me pareceu correto e urgente exigir que haja responsabilização [e que me paguem].
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A pergunta: devemos concluir que os juízes são todos abobalhados? E, então, quanto mais desgraçado o relato [quanto mais adjetivos desgraçados são enfiados ali], mais os juízes [tolinhos] dão ganho de causa aos pobres clientes dos advogados pífios?
E, assim, nessa esteira, se fui prejudicado pelo banco, mas NÃO fiquei ‘surpreso’ [nem cabisbaixo, nem devastado, nem receoso, nem incrédulo, nem boquiaberto, nem aflito, nem angustiado, nem desamparado, nem estarrecido, nem exausto, nem urinado…], então o sugestionável juiz dará ganho de causa ao banco?? Por hipnose? É assim o conceito que advogados têm de juízes? [oh, revolta!].
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Confesso que do que mais gostei no texto dos advogados foi quando eles escreveram: “pedimos que o processo seja ágil devido à avançada idade da parte autora da causa cível” [eu!]. Opa, que bom! Uma vantagem.
Foi aí que pensei no Clube dos Escritores 50+, locus de inclusão [desde priscas eras] dos vulneráveis escritores de idade provecta…
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Diante do acima exposto, revelam-se duas qualidades da minha pessoa [física]: 1- tendência a mover ações judiciais [a torto e a direito] contra os outros [o mundo é cheio de desaforados]; e, 2- [conectado ao item um] facilidade em fazer ex-amigos [odeio gente].
Sergio (sem acento, combinado?), que delícia sua crônica.
Coitado do Rui Barbosa!
thank u so much!
Delícia de crônica. Adorei.
smac!
Que saudade estava desse querido escritor !😁
miss u so much!
ah, que divertido… adorei!
e fiquei feliz de vc ter encontrado alguém de excelencia à sua suprassumíssima altura!
nao é?! ele é grande! hahah
Sérgio adorei, você é único.
<3