A situação politico-militar em Duchambé, capital do Tadjiquistão, estava muito ruim neste momento e tivemos de ficar vários dias em casa por causa dos embates entre forças governamentais e grupos fundamentalistas islâmicos que vinham lutar até na capital. Mas hoje, a situação estava mais calma e eu resolvera ir passear no parque perto de casa.
Levei comigo o meu cão Polvon, um cão tadjique, guardião de rebanhos, bravo e nervoso como todo bom exemplar da raça local alabai.
Andava pensando naquela nova habilidade que desenvolvera no final da minha estadia no Chade onde conseguia me comunicar com o vento. Não entendia os comos e porquês de uma coisa tão louca. Mas era um fato que quando eu me expunha a ele, todas as informações referentes a segurança ficavam gravadas na minha mente e eu apenas sabia. Pensava que esse dom se explicava pelo fato de vivermos continuamente no fio da navalha tanto no Chade quanto no Tadjiquistão que se encontrava em plena guerra civil.
A certa altura do passeio, Polvon ficou nervoso e começou a me dar focinhadas para que eu entrasse num bosque muito denso que cobria um quarteirão inteiro do parque.
Neste momento preciso, o vento começou a farfalhar nas árvores solicitando a minha atenção. Abri grande os olhos, assustada com a mensagem de perigo iminente que recebia. Não via nada ao meu redor mas comecei logo a sentir alguma coisa muito ameaçadora que vinha na nossa direção. A recomendação era que eu devia ir me esconder naquele bosque escuro.
Vi ao longe, dois carros que se aproximavam de nós em alta velocidade – um vermelho e um preto. Faziam manobras arriscadíssimas – desesperadas – como se houvesse um risco de vida envolvido.
Acatei a recomendação e entrei no bosque. Tentei controlar o meu medo e me agachei atrás de um carvalho. Tinha dali uma ótima visão da avenida.
Vi o carro vermelho ser finalmente ultrapassado pelo negro. Nenhum dos dois veículos tinha placa e seus vidros eram escuros.
De repente, bem na nossa frente, o carro preto fechou brutalmente o veículo vermelho, fazendo-o derrapar e bater na quina da calçada com muita força. Os vidros se estilhaçaram e o veículo quase capotou. Tres homens armados com metralhadoras saíram correndo do carro preto e começaram a atirar no vermelho, crivando-o de balas.
Meu Deus! pensei. Carros sem placas e vidros escuros são características de máfia. Se nos virem, esses homens não hesitarão em nos matar também.
Recolheram as armas dos quatro ocupantes do carro vermelho, retiraram lá de dentro os corpos de quatro indivíduos, deixando poças de sangue no asfalto e jogaram-nos no porta mala daquele carro crivado de balas. Iam terminar esta tarefa, quando apareceu um infeliz ciclista. Estava contornando o bosque e seus olhos cruzaram os meus. Olhou-me por um momento, surpreso, perguntando-se certamente o que eu estava fazendo ali, agachada no meio da vegetação. Foi aí que viu a cena na avenida e parou, petrificado, sem saber o que fazer.
A próxima coisa que vi foi o rapaz ser alvejado e o sangue jorrar de sua cabeça enquanto caía sobre a sua máquina no asfalto. Um dos homens puxou uma faca, aproximou-se do corpo caído e de um golpe certeiro, cortou-lhe a garganta, deixando-o ali, sangrando aos borbotões.
Mas ele estava intrigado. Limpou a faca na camisa do rapaz e olhou para o bosque onde estávamos escondidos. Senti os seus olhos inquisidores passar sobre nós várias vezes. Depois deu uns passos para frente como se fosse se embrenhar naqueles andares escuros de vegetação.
Fechei os olhos e comecei a pedir proteção à Nossa Senhora de Aparecida e Frei Galvão. Parecia nessas alturas que só a sua santa Intervenção seria capaz de impedir outro desenlace sangrento.
Vamos embora! gritou um dos homens. Daqui a pouco isso aqui vai estar cheio de gente. Ygor, o que você está procurando exatamente?
Não sei, foi a resposta. Mas algo chamou a atenção daquele moço na hora em que estava contornando o bosque. Pareceu surpreso com alguma coisa que viu lá dentro. Queria verificar o que era. Mas você tem razão. Vamos embora. E nos próximos instantes, só se ouviu o barulho dos pneus dos dois carros queimando borracha no asfalto.
Muda, olhava a cena sem me mexer. O cão ficara com medo dos disparos e também estava imóvel. Olhamo-nos como que indagando qual devia ser o próximo passo … Entendi que precisava sair dali o quanto antes.
Saímos do lado oposto do bosque e nos afastamos rapidamente do parque. Polvon, já recuperado do susto, começara de novo a brincar.
Blanche, como eu adoro suas histórias, viajo junto. Essa fiquei quase o tempo todo com a respiração suspensa!
Oi querida , tudo bem? Eu também fiquei assim … E difícil eu sentir medo. Mas o medo que senti nessa oportunidade valeu por todas as outras vezes. E também temia que uma reação inesperada do cachorro chamasse a atenção dos mafiosos.
Que thriller apavorante! E Polvon se mostrou um ator inteligente e de sangue-frio.
O Polvon se comportou como um sábio. Nunca consegui na vida fazer ele ficar quieto pois esses cães de rebanho tadjiques estão perpetuamente inquietos e barulhentos. Mas dessa vez, ele se achatou, mudo, feito uma panqueca na grama e assim ficou até eu avisa-lo que estava tudo bem e podíamos voltar para casa.
Uau, que belo texto. E ainda bem que os leitores podem assistir de dentro do bosque.
E, e melhor mesmo. Nunca vi mais brutalidade doque nessas máfias. Para eles, matar tinha virado uma brincadeira. E aquele homem que cortou a garganta do ciclista tinha a fama de ser um verdadeiro psicopata. Chama-se Ygor e tinha um olho azul e outro verde e uma enorme cicatriz no rosto.