Apenas um sonho, nada mais. Foi o que a mãe de Ofélia afirmara após ouvir seu relato ao despertar. Ela preferia acreditar nisso, entretanto a dúvida persistia: será mesmo?
Quando na noite seguinte acordou sobressaltada com a mesma cena, entendeu não ser aquilo mera coincidência, teria de buscar o significado daquele sonho: um homem sem cabeça pedindo para que lhe acendesse uma vela. Na terceira vez, a identificação:
— Sou o escravo José Crioulo, morto na forca e decapitado.
Desde a morte do pai, Ofélia costumava frequentar a Igreja das Almas, no bairro da Liberdade, onde orava e acendia vela para ele. Sabia que naquela área houvera uma forca para execuções daqueles considerados criminosos e, por vezes, acontecia depois do enforcamento, a decapitação. Resolveu pesquisar a respeito. José Crioulo havia sido uma dessas vítimas, descobriu na pesquisa. Em 1821, sua cabeça havia sido levada para ser exposta à população de Itu, Porto Feliz e Campinas – que servisse de exemplo e temor. Resolveu atender ao pedido do morto; sua história causara-lhe compaixão, também revolta pela crueldade dos colonizadores.
Na Igreja, antes da vela, a prece pelo escravo decapitado. Fósforos úmidos, não acendem; após algumas tentativas, o brilho da vela se apresenta em dança frenética. Nesse momento, ela escuta um estrondo. Vira-se em direção à porta. Aparece o homem do sonho e uma cabeça solta girando ao redor, até se encaixar em seu tronco, completamente. Integrado, ele lança sua voz: José Crioulo – presente!
− Como é possível?!!! Perplexa, Ofélia esfrega as pálpebras. Depois, com os olhos bem abertos, percorre paredes, teto, chão – busca vestígios do escravo, em vão. Desaparecera por completo. A dúvida persiste:
— Outro sonho?
Vige! De arrepiar!
Muito forte, o fantasmagórico mesclado à crueldade histórica, retrata com assombro como somos perpassados por crueldades ocorridas, em séculos!
Forte, muito bom, Regina!
Muito Bom, Lourdes. Conciso e cheio de significado.
PS: Por via das dúvidas, peça à Ofélia para acender outra vela.